Devolver um andorinhão à Natureza

 


O meu  terraço foi, há umas semanas, talvez uma pista de aterragem de emergência. Manhã escura, muito mais por obra da tempestade Bárbara do que por ser madrugadora, seriam umas 7.30 quando a descobri. Primeiro até pensando que se tratava de uma andorinha, ali estava, aninhada rente à porta envidraçada, quando me levantei. Observei, fotografei, filmei. Apreensiva, puxando pela memória dos meus parcos conhecimentos sobre a espécie - um andorinhão - que até confundi inicialmente, já me estava a ver em apuros por saber que só comem insectos. É logo o que nos ocorre, alimentar, ainda que estas aves até possam passar sem comer algum tempo e sobreviver. Estaria ferida? Chuva forte e ventos fortes, tinham sido anunciados. Dúvidas sobre dúvidas e o horror de pensar que a ave podia morrer-me nas mãos. Apesar dos muitos Likes, comentários entusiasmados e partilhas das fotografias de aves no Facebook, o que sei eu de primeiros socorros de aves? Não sou nenhuma "Florência Rouxinol"! 

Agarrei o andorinhão com cuidado,  coloquei-o numa caixa forrada e fiquei a observar o seu comportamento, de caneca de café na mão, sem ter bem a certeza se era ainda filhote. Escrevi  a um dos fotógrafos de aves que sigo, a pedir conselhos, depois telefonei para o Sepna e de lá me orientaram no que fazer. Soube que não podia já sê-lo: a época de criação já ficara para trás. Seguramente era  um adulto, tinha asas longas e cruzadas sobre a cauda, já devia estar a caminho de África e não prisioneiro dum terraço urbano. 

Os andorinhões são formidáveis: cuidam da plumagem, caçam, bebem, acasalam e dormem em vôo. É um caso em que é quase preciso ver para crer mas há vídeos a documentar o impossível no Youtube. Tão adaptados ao ar se tornaram que não conseguem empoleirar-se, as pernas tão curtas que parecem não existir, agarrando-se verticalmente às superfícies ásperas. E, a comprovar isso mesmo, daí a pouco, tinha trepado pela caixa, fixando-se a um relevo na parede. 

Agarrei-o para examinar. Ele deixou, sem medo algum, o coração tranquilo, permitindo-se até festas no peito, abaixo do bico, resvirando a cabeça para trás, como se para melhor as receber, o que me deixou extasiada e incrédula. A minha preocupação era perceber se estava robusto, pois, caso contrário, se libertado prematuramente pereceria na exigente viagem de ida que o aguardava: cerca de 10.000 km. Aparentemente são, a plumagem intacta e as asas simétricas, que batia de tempos a tempos, daí a um par de horas fui encontrá-lo no extremo do terraço murado, mas sem hipótese de alcançar os céus: os andorinhões não conseguem levantar vôo do solo. 

Quando a chuva forte amainou e o céu clareou, levei-o para campo aberto. Procurei um plano mais elevado e ergui-o na palma da minha mão. Depois de bater as asas energicamente várias vezes, incentivado com o impulso do meu braço, o andorinhão elevou-se no ar mas caíu a pique de imediato, assustando-me, só para logo voltar a subir. Voou por entre as árvores e perdi-o de vista, percebendo naquele instante fugaz o maravilhoso que é devolver à Natureza um animal prisioneiro.

De então para cá dediquei-me a ler mais sobre esta ave incrível. É importante saber o seguinte: no Verão é comum encontrar as crias no chão, caídas de ninhos que os progenitores fazem em beirais, telhados, fendas. Ao contrário do que é aconselhado, que é deixar os pequenos pássaros caídos no mesmo local onde os encontrámos, ou o mais próximo possível do ponto de queda, ou do ninho provável, em segurança, vigiar, proteger e para que os pais os continuem a alimentar, as crias de andorinhão devem ser recolhidas pois os pais não as conseguem alimentar no chão: ou morrem de fome  ali mesmo ou serão presa fácil. Porque comem insectos, que não temos à mão, e também porque beneficiam da presença de outras, o melhor a fazer nesta circunstância é contactar o SEPNA - Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente, ou centros que cuidam destes animais selvagens, como o CERVAS, e pedir orientação.

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