Gold Strike! Escreve Ricardo Silveirinha



A VIDA VIRALIZADA

Uma vida a escrever, a lutar, a rebelar-me, a dar amor. Quase 40 anos a tentar entender-me, a compreender os outros, a procurar abrir caminhos para um mundo melhor. Escrevi livros, séries, poemas. Fiz programas de televisão, de rádio, plantei bambus, comi pão com manteiga e tulicreme, vi Pablo Neruda no mar do Chile, abracei o Valdo Cândido Filho.
Comi as hóstias todas da Igreja Católica e vomitei-as sem perdão para definitivamente acabar com a ignomínia. Levo mais de uma década a desmascarar os aldrabões que raptaram o Glorioso Sport Lisboa e Benfica. Criei um Farol que ilumina os benfiquistas para a estrada da Mística.
Falei sobre o quotidiano, confessei vergonhosas confissões, escrevi a história dos bairros populares da cidade, enfrentei os ganadeiros pelos cornos e versei sobre a tourada para lá das moedas do bem e do mal. Sonhei o meu Pai os dias todos desde que ele morreu. Amei, fui amado, desamei-me, desamiguei-me.
Para acabar imortalizado num texto sobre Gold Strike. O estranho Deus que não existe tinha estranhos planos sórdidos para mim. E eu gostei.

INFERNO DOURADO

Gold Strike é a pior jogada de marketing de sempre. A bebida é tão enjoativa que geralmente é experimentada uma vez com resultados quase sempre nefastos - o alcoolizado passa dois dias a vomitar pepitas de ouro e depois é para todo o sempre abandonada. O Gold Strike vive dos virgens do álcool, dos putos imberbes, dos finalistas de 12º ano, de uma senhora que decidiu começar a beber aos 50 por estar cansada de beber chá - o Gold Strike surpreende e simultaneamente repele uma única vez. Não engana mais.
A memória da horripilância licoresco-dourada do Gold Strike é tal que passados 20, 30, 40 anos o ex-alcoolizado ainda se recorda daquela noite, quando era rebento ingénuo, em que bebeu sem aviso mais de 100 pepitas e acabou agarrado ao chão, numa berma, a vomitar garimpos. É uma bebida que resiste nas prateleiras dos bares, mas que ninguém, com mais de 20 anos, bebe. Nem sequer a vemos ser vertida aos mais novos. Simplesmente está ali, olhando-nos, recordando-nos aquela fatídica noite em que vomitámos estrelas.

Um brinde ao Gold Strike! (Mas com um uísque na mão)

Ricardo Silveirinha


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