Seria capaz de matar um animal para fazer a sua refeição?
Vídeo Casa de Carne
A nossa caminhada no planeta dependeu, mas não só, da morte de animais. Eram caçados e comidos, depois foram criados para comer. Ainda se faz, muitos criam ou caçam e pescam e comem o que capturam. Mas a evolução distanciou o homem comum da necessidade de matar para comer. Outros fazem-no por ele, máquinas industriais fazem-no por ele: click, click, click. Assim se iludiu a consciência da natural e normal crueldade do acto, ao mesmo tempo que se lhe retirou qualquer respeito que lhe fosse devido. No acto seguinte, a morte é depois bem disfarçada, apresentando-a em caixas para ser comprada sem sujar as mãos, amaciada na cozinha em amidos e azeites, bem temperada de cheiros, transfigurada pela chama, e por fim engalanada por porcelanas decoradas de levar à mesa. Longe da fogueira, nós, predadores evoluídos, de faca e garfo, esquecemos há muito a agonia do sangue quente nas mãos, tal como deixámos de fazer sacrifícios aos deuses. Agora a morte de um animal só acorda em nós essa crueldade invisível quando lhes damos nomes como Wilbur, Lacy, Rico, Luna, Rex, Kiko e lhe escrevemos uma história. Até aí tida como normal e inevitável, a morte de um ser vivo é então uma descoberta estranhamente cruel, uma chapada crua e destemperada que nos atinge de supetão revelando um sabor amargo de dor que para muitos outros parecerá sobretudo patética ou até incompreensível.
Na série American Gods, a dada altura, um deus russo, Czernobog, conta como trabalhara num matadouro com a função de matar vacas com uma pancada certeira de um martelo gigante na cabeça. Tinha orgulho do seu ofício, do seu talento, e explica o porquê: se não o fizesse direito a vaca zangava-se e se se zangasse a carne saberia mal. O objectivo do seu golpe era esmagar o cérebro dentro do crânio, rapidamente, antes que a dor alcançasse o interior a partir do exterior, assim evitando que o cérebro soubesse que estava a ser esmagado. Diz Czernobog: "Dar uma boa morte é arte. Agora qualquer macaco com polegar oponível é capaz de matar com um instrumento banal que faz "click, click, click"...
Comentários