Adultos que não querem crescer


A moderação de comentários é de suma utilidade. Comentários que não apresentam críticas construtivas, que se resumem a manifestações primárias de desrespeito do tipo que me faz duvidar se alguns dos comentadores terão mais neurónios no cérebro do que um animal  invertebrado, não chegam a ver a luz do dia.

Os neurónios são o material de que se compõe qualquer cérebro. Formam uma rede por onde flui e é processada a informação. É assim que tanto o homem como uma lesma respondem aos mais variados estímulos do seu ambiente de forma adequada. O número de neurónios presentes nos cérebros das criaturas terrestres varia. O cérebro da lesma marinha Aplysia californica contém uns milhares de neurónios, o cérebro humano, maior, contém bilhões de neurónios. Mas, por exemplo, as abelhas com os seus cérebros minúsculos são capazes de executar tarefas mais complexas do que o alce que tem uma enorme cabeçorra.

A ciência levanta hipóteses interessantes acerca do  tamanho não ser o que mais importa.  Dois cérebros de mesmo tamanho podem ser diferentes e ter diferente quantidade de neurónios. Isto sucede porque a estrutura do cérebro não é homogénea. Por tal, entre dois cérebros, um maior não tem necessariamente de ter mais neurónios que um menor. E o mais extraordinário: o homem tem um cérebro de primata, entre eles, o maior, mas, sobretudo, mais neurónios corticais do que qualquer outra espécie. E é isto que é decisivo de acordo com a tese da neurocientista brasileira Suzana Herculano-Houzel. O elefante até tem mais neurónios que o ser humano, mas não no cortex, área responsável por acções complexas.

Outra hipótese que adianta é que quantos mais neurónios, mais tempo uma espécie demora a chegar à adolescência. Daí uma ideia surpreendente e que é a de que as transformações que as crianças sofrem ao dar o salto da puberdade  não são apenas resultantes de processos hormonais, nem mesmo as reacções e comportamentos tradicionais da adolescência - o afastamento dos pais e a aproximação dos grupos, a vontade de correr riscos, as decisões impulsivas, a incapacidade de planeamento, etc - se podem explicar sem relevar que tal se possa dever ao facto do cérebro e seus processos cognitivos ainda estarem em desenvolvimento. Quanto mais neurónios uma espécie tiver, mais tempo o cérebro é "infantil", mais tempo passa a aprender, a preparar-se para a fase adulta. Por isso devíamos ser tão indulgentes com os adolescentes como somos com as crianças e não pensar neles como adultos em miniatura, julgando-os, por vezes, com uma severidade irrazoável, diferente da normal disciplina de que não se deve abdicar.

Apenas estou a ser uma idiota, claro,  quando faço comparações entre comentadores sem tino e as pobres lesmas marinhas. Além do mais, as lesmas com o seu reduzido número de neurónios, ainda não inventaram o desrespeito, mas nós, com muitos mais, ainda não conseguimos aprender o que é respeitar os outros, ou a opinião dos outros. É vergonhoso que após anos de evolução os seres humanos ainda não consigam utilizar tanto capital evolutivo. E ainda mais escandaloso que estando agora o acesso à informação na mão guardado no bolso e à mão de uma vasta maioria, inseparáveis que nos tornámos dos nossos telemóveis "espertos", essa relação de apego não se traduza num clique extra para aprender mas já seja tão ágil e pronta para mostrar que se é ignorante, além de mal formado, já que uma coisa é não saber, e outra é ser vil, maldoso ou mesmo desumano. E outra coisa ainda é a demonstração de total ausência de inteligência emocional em meia dúzia de palavras, sendo evidente para mim, que muitos adultos ainda estão na infância quando disso se trata.

Aristóteles, mais conhecido como o pai da filosofia ocidental, também foi um estudioso dos seres vivos e da natureza, deixando muitos escritos sobre biologia e zoologia. Mais pensador que cientista, é, no entanto o primeiro a fazer uma classificação dos animais que prevaleceu até meados do século XIX. Separou-os entre os que tinham e não tinham sangue, isto é, vertebrados e invertebrados. Os primeiros, divididos ainda em dois grupos, os que faziam gestação em si mesmos e os que se reproduziam em ovos. A classificação dos invertebrados em insectos, crustáceos e moluscos é tida por mais precisa que a de Lineu, que os dividiu apenas em insectos e vermes. Aristóteles considerava que os polvos eram criaturas estúpidas que se aproximavam da mão humana assim que esta mergulhava na água. Mas ele tinha toda a desculpa do tempo em que viveu: não tinha como saber mais. Apoiava-se em meia dúzia de escritos, dependia quase inteiramente dos seus neurónios, do seu método descritivo e interpretativo. Mas nunca se bastou com a superficialidade e dentro das limitações da sua época foi brilhante. Hoje a ciência informa que o polvo é bastante inteligente e estou certa que ele teria delirado com a descoberta. Mas muitos de nós, quando a ciência lhes mostra novas evidências, ou fornece hipóteses incríveis, não fazem sequer um esforço para entender, preferem fingir que não percebem ou combatê-las.

Ser esperto não é fazer contas de somar, seguindo uma tabuada, é, sobretudo, ter agilidade mental para pensar e resolver problemas sem ter um mapa do tesouro. Ora, parece que confrontado com dificuldades, por exemplo, clausuras em laboratórios, os polvos encontraram o caminho para a liberdade. Mas alguns seres humanos, face a face com a mudança dos tempos e outras formas de entender a vida, novas informações, novos desafios, preferem ficar-se eternamente a contemplar o passado, quem sabe se nunca saíram de lá mesmo, prisioneiros de um tempo em que os seus antecessores primatas ainda nem sequer se tinham tornado bípedes e descoberto o fogo.

Sugestão de leitura:

Senciência em invertebrados: Uma revisão da literatura neurocientífica, aqui
Quanto mais neurónios uma espécie tem no córtex, mais tempo ela leva para chegar à adolescência, aqui
Quantidade de neurônios explica a superioridade da inteligência humana, aqui

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