Como adormecer em dois minutos!



Qualquer pessoa que sofra de insónias está disposta a experimentar tudo, ou quase tudo, para conseguir dormir. Não conseguir pegar no sono é um verdadeiro pesadelo.  Consumimo-nos às voltas na cama, aparecem comichões em todo o lado! Ligamos a luz para espreitar o telemóvel, ler e escrever macaquices nos rascunhos do blogue, e daí haver neste quase uma centena deles! Assaltamos o frigorífico para petiscar, fazemos um chá porque de repente veio a sede, ou ficámos com frio, espreitamos a TV... Por vezes o sol já nasceu e já cantam passarinhos quando finalmente se consegue dormir. Há noites em que continuar a pé pode ser até mais fácil do que voltar para a cama sabendo que daí a pouco o despertador irá tocar.

A manhã seguinte é sempre uma experiência horrível. Não estamos doentes mas parece que tivemos uma grande doença. Ninguém nos compreende. Nunca consegui explicar a alguém que dorme que nem uma pedra que uma insónia é muito mais do que apenas dormir mal! É não dormir. Manhã dentro, consegue-se sobreviver a cada hora que passa a poder de café. Os olhos parece que têm areia. Lava-se a cara várias vezes com água fria para aliviar o torpor: nem vale a pena usar maquilhagem. À tarde vai andando e  podem suceder duas coisas: por volta das cinco parece que nenhum café, chá ou injecção de cafeína na veia nos vai conseguir aguentar até à noite. Pensamos que podemos adormecer a qualquer momento: em cima da mesa do escritório, sentadas na sanita, no transporte ou mesmo, de pé, no elevador, a um andar de casa. Ou então, começa-se a ficar estranhamente mais desperto do que seria normal dada a noite de cão que tivemos e o avançado da tarde, e teme-se, ao cair da nova noite, que se vá repetir o mesmo fado.

Como sofredora mais ou menos regular dessa inconveniência, ao cruzar-me com uma notícia que dava nota de um método usado pelos soldados do exército americano para adormecerem em 120 segundos  fiquei curiosa.  Baril. Se é à prova de insónia de soldado, deve ser tiro e queda, pensei eu.  Se o testaram em soldados, carregadinhos de stress de combate acumulado, cada dia mais tensos que uma batata frita Lays, e resultou, isto é coisa séria. Mas, se é sério, como é que só hoje ouvi falar disso? Li o texto a imaginar os soldados e o cenário de guerra, onde só tem silêncio quem está morto. E quem está morto já não precisa de dormir. Se até conseguiam alhear-se do desassossego, se ao usar o método era garantido adormecer em toda a parte, de pé, encostados a um muro, ou sentados num ramo de uma árvore, ou num  buraco, numa cadeira de um transporte, eu, na minha caminha, também havia de conseguir! Ó pá, se o método milagroso resulta com estas almas torturadas, bora lá aprender! Afinal as minhas guerras não podem ser assim tão duras que eu não consiga escapar à magra percentagem de insucesso de truque de Bud Winter! Mas, de acordo com o texto, usar o método é um pouco mais complicado que enfiar uns comprimidos pela goela abaixo. Percebi que não é solução que funcione sem esforço: é necessário uma rotina consistente. Há que treinar, ser perseverante e disciplinada como um soldado na tropa! Só ao fim de 6 semanas de prática é que o resultado parece ser quase garantido. Um pouco desencorajador, não?

O "segredo militar" foi passado ao papel por  Loyd Bud Winter, em 1981, num livro intitulado Relaxa e ganha: performance de campeão em tudo o que fizeres. A tradução é livre. O livro propõe ensinar a melhorar a performance desportiva e reduzir lesões através do relaxamento de tensões  antes da competição. O preço na Amazon é elevado: 100 euros. Mas até há quem peça 400 euros o que é meio curioso: será uma raridade? Na contracapa lê-se: Aprenda a relaxar! Isso pode ser feito. Transforme as suas situações mais stressantes em momentos de desempenho máximo.

Bud Winter, que, fiquei a saber, foi um treinador de renome, revela ali os segredos que ajudaram as suas estrelas da pista a ultrapassar a intensidade e pressão da competição de alto nível para quebrar 37 records. Escreveu o livro sobre o programa que ele desenvolveu para os soldados da II GG e que depois da guerra usou com os atletas. O exército americano terá chamado Bud em seu auxílio: sem dormir, os soldados eram mais predispostos a falhas, a matar mal e a deixar-se morrer antes do devido. Era preciso agir.

O método que Bud Winter apresentou comporta duas fases que se ligam para o êxito: a do relaxamento físico e a do relaxamento psicológico. O stress de combate, a pressão que os atletas enfrentam, ou as tensões que as pessoas comuns acumulam na sua rotina diária poderiam todas elas ser abordadas através desta prática. Afinal, o método, concluí eu, não passa de uma espécie de meditação, o tal "segredo militar", quem sabe "Bud" não é uma abreviatura de "Buda". Parece-me realmente plausível que possa resultar. Para o exército, até a forma mais rápida de atar os atacadores das botas pode ser confidencial e um segredo que não se quer nas mãos do inimigo. Tornar esta técnica  secreta pode ter sido o truque ideal para convencer os soldados de que era mesmo eficaz. Também foi, decerto, um bom chamariz para vender o livro.

Quantas vezes, não apenas na minha cama, em noites de insónia, desejei adormecer! Em camas de hotéis, e em viagem, cansadíssima, aviões, comboios e autocarros, o que mais desejei foi ser capaz de adormecer em dois minutos e de passar pelas brasas. Só que nem em dois minutos nem em duas horas: o sono não comparecia ao encontro. Vamos então ver como se faz o milagre do sono segundo Bud Winter.

Primeiro é preciso relaxar fisicamente. Os soldados-cobaia do método estavam sentados numa cadeira, de pés assentes no chão, olhos fechados e queixo puxado ao peito: eles deveriam relaxar e depois adormecer. Para isso era preciso respirar devagar, profunda e regularmente, começar a sentir a pele da testa a desenrugar, até mesmo o couro cabeludo a descomprimir, deixar-se invadir pela leveza, sentir o queixo, a mandíbula, mais soltos, todos os músculos da cara mais moles, até que o olhar e a contracção do rosto se suavizassem. A língua e os lábios seriam considerados a seguir no plano da descontracção. E enquanto se procede a este relaxamento consciente há que respirar sempre, lentamente. Depois seria a vez de atender aos músculos que controlam os olhos. Estes deviam perder o foco, ficar entregues a nada. De seguida, toca a deixar cair os ombros até onde fosse possível. Depois era vez do peito. Era preciso inspirar e  prender a respiração. Depois soltar esse ar devagar, muito devagar. Para deixar sair toda a tensão acumulada. Depois os braços. Músculo a músculo. Têm de ser soltos, perder a contracção. Depois a mão direita e os dedos. Depois a esquerda e os seus dedos. Os braços são agora dois pesos mortos assentes sobre as coxas. Os soldados estão relaxados e começam a gostar disso, começam a sentir-te bem. Agora chega a vez das pernas: das coxas, às suas barrigas, até alcançar os tornozelos e o pé, músculo a músculo, só peso sem ossos, moles. Relaxamento total. Neste momento há que inspirar três vezes e soltar o ar lentamente para que toda a tensão desapareça.

É este estado de relaxamento físico que deve ser cultivado em situações de stress. Depois de o atingir, é então necessário  ficar mentalmente relaxado para conseguir adormecer. Como? Estando os soldados fisicamente relaxados, bastaria manter a mente livre de pensamentos activos por 10 segundos para adormecer. Portanto, é preciso parar aquela ruminação mental em que por regra nos encontramos quando queremos dormir. Para fazer isto as imagens a chamar à mente têm de ser de calma total, o mais possível. Nada de movimento. Por exemplo, a sugestão que ele dá é imaginarem-se  num belo dia de Primavera, num lago,  dentro de uma canoa: um ambiente sereno. O olhar deve fixar-se no céu azul. É preciso manter a imagem na cabeça por 10 segundos e impedir que pensamentos venham esvoaçar naquele céu. Outra ideia que Bud dá é imaginar que se está numa cama preta de veludo e que tudo à volta é preto. Quanto a mim, esta ideia na mente dos mais imaginativos pode facilmente resvalar para o mais puro horror ou para a mais erótica marotice. Não me parece que seja a ideal para estancar devaneios. Como terceira sugestão, Bud aconselha  dizer "não penses" continuamente enquanto se bloqueiam outros pensamentos. Durante 10 segundos, claro. Não percebi se é para dizer as palavras em voz alta ou apenas mentalmente. Mas ouvir o som já me parece distracção bastante. Talvez o melhor seja mesmo imaginar um céu azul. Não sei. O que vos parece este "método secreto"? Tão bom como um chá de raiz de valeriana? Como se sentem depois desta leitura? Quase a adormecer?  ZZzzzzZZZZZZZZ.

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