Maestro traz ópera ao cinema de animação



Maestro - Vídeo

Maestro é uma curta animação que tem por base a ópera “Norma”, do romântico Vicenzo Bellini. Estreada no dia 26 de Dezembro de 1831, no Teatro alla Scala, de Milão, repetiu-se por 38 vezes nessa época. A sua principal ária é “Casta Diva”. O tema central desta obra é um conflito entre o amor e o dever público, neste caso, as obrigações religiosas a que estavam vinculadas Norma e Adalgisa, sacerdotisas druidas. Composta por dois actos, tem libreto de Felice Romani, baseado na tragédia “Norma, ou o Infanticídio”, uma peça do francês Alexandre Soumet. Nesta animação, um esquilo maestro convoca os animais para um momento operático em plena floresta. Cantam o tema Guerra Guerra e mais adiante contarei mais sobre isso.

A ópera tem 400 anos de história e faz parte da cultura europeia. A Europa pode-se orgulhar de a ter oferecido ao mundo. Surgiu em Florença. Um grupo de músicos italianos, humanistas da Renascença interessados em reviver a tragédia grega, que também incorporava música, resolveu musicar textos, e criaram em finais do século XVI, um novo género, literário e musical, o drama através da música. A primeira a ser identificada verdadeiramente como tal é Orfeu, de Monteverdi, em 1607. A língua em que se cantavam as óperas iniciais eram o italiano e o latim.

A ópera é tida por muitos como uma coisa bafienta, um espectáculo algo elitista, para gente rica e culta, incapaz de competir com o cinema, este, sim, arte popular, para pobres de todos os tipos e de todas as bolsas. Assim entendida, a ópera como que produziria um automático sentimento de exclusão nos potenciais ouvintes que não se encaixassem naqueles parâmetros, coisa que até desconfio seja hoje apenas uma mera desculpa semelhante à muito invocada falta de tempo para ler. Evidentemente que a ópera nasceu num círculo de poucos, e foi cultivada por poucos, aristocratas e burgueses. Mas hoje, com as tecnologias existentes, podemos apreciá-la sem ir ao S. Carlos. Não é a mesma coisa, nunca será. Mas é preciso que a ópera viva e  que seja desmistificado o seu hermetismo. Dirão os puristas, ou mais conhecedores, que estou errada. O risco que observo é que se a multidão ficar a depender de um bilhete e de um dress code para ver uma ópera, uma tal limitação reduzirá novas criações e sendo a ópera um produto do seu tempo, quem comporá e cantará o nosso tempo se for apenas deleite de uma minoria? Como surgirão novas vozes notáveis e populares, verdadeiras estrelas, tão brilhantes como as dos mais reputados actores e actrizes que com elas competem no passeio da fama? Só isso perturba a sua renovação no panorama das artes já que o repertório existente é eterno e resistirá ao tempo, continuando a cativar apaixonados.

Outro drama da ópera é o seu elevado custo de produção. Pontualmente surgem discussões inflamadas por causa dos apoios estatais ao cinema e às touradas, mas raramente se fala de como sobrevive a ópera em Portugal. Do teatro ainda se vai falando, mas o teatro sobreviverá sem risco maior até na Lua: os custos de ensaiar uma peça e uma ópera não se comparam.

No tempo mor de todas as inclusões, também a ópera tem de começar a ser vivida por todos. Por mim, desde logo, incapaz de perceber a excelência de cada interpretação porque o meu conhecimento musical não chega, - dou-me aqui como exemplo, - nem por isso deixo de me emocionar com a música e a história que percebo. Não vou ao S. Carlos mas a ópera não deixa de vir até mim nas formas possíveis.

Há já muitos anos, ainda longe do advento do streaming,  quando os CD se tornaram baratos, comprei um pack com as árias mais populares e fui enxovalhada por um amigo com a mania que era melómano. Ao contrário dele, eu não vivia em Lisboa, nunca tinha ido ao São Carlos, raramente ouvia a Antena 2, e só episodicamente via uma ópera na TV. Não sabia, de facto, quem eram os melhores intérpretes, as melhores gravações. Mas não queria morrer estúpida e ele, em vez de aplaudir a minha curiosidade e de me orientar na sua sabedoria, a tratar-me como uma labrega musical. Mandei-o passear mais a sua presunção e andei umas largas semanas a ouvir aqueles CD ininterruptamente. Bem sei que isso não substituiria nunca a ida ao teatro, mas era melhor que nada. Nesta linha de ideias, divulgo hoje este vídeo: é melhor que nada, claro. No meu entender de pessoa ignorante.

Para quem não pesca nadinha do assunto, ainda menos do que, eis umas luzes que podem ajudar à iniciação neste prazer: uma ópera é constituída pela abertura, ou introdução da obra, ou de um acto, parte executada pela orquestra. Os actos são constituídos pelas cenas. As partes cantadas têm denominações próprias: a ária, que é uma apresentação de um solo vocal, a cargo das figuras principais; o recitativo, uma aproximação ao diálogo, uma fala cantada, que faz avançar a história; e o coro, que costuma fazer o comentário, do qual fazem parte artistas secundários. Podem ainda haver duetos e outras formações. É importante conhecer o libreto, - muitas vezes escrito em verso, ou simples, a que a encenação e música darão força - é a história da ópera, que influencia decisivamente o trabalho do compositor. Pode ser da autoria do compositor ou outro artista. Não é difícil, pois não? Esta estrutura comparada com a do filme de super-heróis Endgame é muito, muito mais simples!

Importa também saber da existência dos correpetidores, artistas que acompanham cantores, instrumentistas, grupos e corais, são os que tocam ao piano os trechos musicais durante os ensaios, em substituição da orquestra. O pianista exerce uma função de “ensaiador”, contribuindo para a preparação de solistas para performances. Outros intervenientes são o director cénico, já que a ópera é teatro, mas nunca teatro musical - a música é que está em primeiro plano, embora palavras e música não possam ser isoladas - o cenografista, o figurinista, entre outros ainda, por aqui já veem a complexidade deste tipo de espectáculo. Notem que não há sonorização, tal como quando vamos assistir a um concerto de música erudita. Em tempos antigos, os teatros eram pequenos, era mais fácil, depois foram-se tornando maiores, e os compositores também foram escrevendo peças mais complexas. Daí a importância de uma sala de ópera, com boa acústica.

Não vou alongar-me sobre um assunto que não domino, apenas quero frisar que aquilo que parece fácil exige um enorme esforço por parte da produção e dos intervenientes, chamados a cantar de forma ímpar notas impossíveis e a interpretar o seu papel. As vozes têm categorias: as mulheres podem ser sopranos, as mais agudas, meio-soprano, mais grave, ou contralto, ainda mais grave. Os homens podem ser tenores, o mais agudo, o barítono, voz grave, e o baixo, voz com registo ainda mais profundo. Os papéis são distribuídos por este tipo de vozes de acordo com a idade das personagens a assumir, seu poder, sua sabedoria, etc.


De regresso ao vídeo, os animaizinhos da floresta clamam, nada mais nada menos, que por vingança e sangue! Quem serão os opressores destas criaturas? O homem que lhes destrói o habitat sem dó? Conhecendo o libreto de Norma a animação não parece fazer grande sentido embora seja bem conseguida. Vejam também como se produziu esta animação vendo o Making off, que para mim foi ainda mais interessante de assistir que o produto final.

Resumindo, e para que possam perceber o Guerra Guerra!, a acção de "Norma" desenvolve-se na antiga Gália, onde a sacerdotisa do templo druida Norma é pressionada pelo povo e Oroveso, líder druida, a liderar uma revolução contra os ocupantes e opressores Romanos. Mas Norma esconde um desgredo: apaixonara-se pelo pro-cônsul romano Pollione, de quem tem dois filhos. Quebrara os seus votos de castidade, a sua religião e deveres para com o seu povo: era uma traidora. Norma reza pela paz, embora esta signifique a aceitação da ocupação, e vai controlando o seu povo. Mas não para sempre. Pollione apaixona-se por Adalgisa, outra jovem sacerdotisa do templo, e esta vai até Norma pedindo auxílio. Ela é sensível à situação onde se revê. Mas quando Norma descobre que Pollione é o romano por quem Adalgisa está apaixonada, despreza-o e quer matar as crianças durante o sono para as libertar da vergonha futura. Acaba por entregá-las a Adalgisa, de quem se tornara amiga, para que as crie com Pollione. As duas tinham sido traídas afinal pelo mesmo homem. Adalgisa intercede junto de Pollione para que volte para Norma. Pollione recusa esquecer Adalgisa, jura raptá-la do templo, não a quer deixar, e Norma clama por vingança sobre toda a Roma apelando a um bando de sangue e exterminação: Guerra Guerra, canta o coro! Pollione é capturado e a sua morte é exigida mas Norma não consegue matá-lo. Confessa-se em público e sacrifica-se em vez dele, desta forma procurando a redenção dos seus erros. Assistindo, Pollione não fica indiferente ao seu gesto e junta-se a Norma na pira do sacrifício. Agora já sabem: Guerra Guerra!




Comentários

Sarin disse…
Seria mesmo muito bom que este postal houvesse sido publicado no escritivários... teria caído na minha lista de leitura, poderia ser lido e comentado via telemóvel e teria a certeza de os comentários serem entregues... enfim, espero que este via pc seja :)

Gosto de ópera. Não conheço aquela de que falas, mas irei investigar ;)
Beijos, bom fim-de-semana.
Olá Sarin. Muito obrigada pela tua visita a este lado da blogosfera! O comentário foi recebido. Agora não tenho tempo de proceder à migração para o Sapo. Lá para Janeiro! Quero dar uma revisão, apagar postagens sem préstimo, como já fiz em outras ocasiões, e agora não posso fazer isso. É verdade: todas as semanas o Google me avisa que o blogue não está acessível a comentários em telemóvel. Já tentei resolver o problema, mas, pelos vistos, sem sucesso. Agora que me habituei à ideia já não me causa confusão a ida para o Sapo. É também a única forma de vos começar a visitar amiúde, por enquanto é só por via dos Desafios que vou interagindo...Bom fim de semana!
Muito bem, Belinha. Vê-se que estudou as suas fontes e redigiu um excelente post.
Penso que a Ópera já deixou de ser elitista há muito por três razões:

1 - os bilhetes para o MEO Arena são muito mais caros, e esgota. Até fiquei arrepiado com os preços para o Roger Waters ou o Sting. E muitos ainda mais caros, e os festivais de Verão. O S. Carlos é bem mais baratinho.
2 - o canto lírico democratizou-se. Há muita gente jovem a cantar como soprano, tenor, etc, e alguns são estrelas tão populares como a Beyonce. Caso da Anna Netrebko, da Joyce Didonato, ou do Jonas Kaufman e do Dmitri Hvorostovsky, com legiões de fãs nas redes e ... na rua. Sem esquecer a Callas e o Pavarotti....
3 - Infelizmente, a própria ópera deixou-se corromper pela comercialite, publicidade e ganância; agora fazem-se produções escabrosas com gregos e romanos de metralhadora, demoiselles da renascença em cuecas, insultos e praguejares contemporâneos em óperas medievais e outras maluqueiras de mau gosto. O resultado é que se atraiu um público sem gosto nem educação, popularucho-novo-rico. E a Òpera ficou a perder.

Vi uma Norma excelente em Valência, Espanha! Não é muito longe nem muito caro... Os coros dos druídas são emocionantes, assim como a ária Casta Diva, claro. Gosto muito nesta ópera que não haja totalmente maus nem totalmente bons. Os 'maus' romanos têm humanidade, os ´bons' druídas têm malícia e fingimento...

Parabéns pelo post.