Joacine não tem um problema

Joacine Twitter

Passei ao largo da maior parte das polémicas relativas às últimas eleições legislativas. Nem sequer me dei ao trabalho de ler metodicamente sobre o assunto ou de seguir debates dos seus principais intervenientes pois o meu sentido de voto já estava formado e nada o iria alterar. Mas, mesmo assim, fui-me inteirando e apercebendo dos habituais episódios, uns mais relevantes que outros, alguns sobretudo caricatos, que começam antes, se prolongam durante a campanha, e não terminam antes da tomada de posse do novo governo eleito.

Uma das empolgações da campanha foi a fantástica afirmação de que a Joacine gaguejava para conseguir vantagem mediática. Escapava-me que sentido isso fazia nas cabeças de quem tanto pelejava por essa ideia, mas algum devia fazer e não era para poucos. Quem assim falava, ou escrevia, não parecia ser gago. E mesmo depois de alguns entendidos na matéria da gaguez se terem vindo pronunciar sobre o "caso Joacine", continuavam aqueles, a laborar na sua teoria. À força toda teimavam que a senhora estava fazer manipulação de massas, ou massinhas, usando aquele trunfo. Quantos candidatos não procuraram obter o nosso favor permitindo-se passar-se por aquilo que não são, prometendo o que não podem cumprir, ostentando uma face que não passa de uma máscara. Na sua senda, a ideia de que uma candidata quisesse passar por gaga para conseguir o meu voto, era, ainda assim, um contrasenso. Para mim ela estava, sim, era em desvantagem.

Outros enormes incómodos eram a cor de chocolate da pele da senhora, que muitos preferiam antes fosse da cor de chantilly, e o facto de não ser portuguesa, mesmo que, afinal, tenha dupla nacionalidade. A alguns era ainda a sua agenda política que sobretudo desconfortava e, se antes da eleição urravam, após a eleição da farsolas, passaram à acção com uma petição ridícula para impedir a sua tomada de posse. Até onde vi contavam-se 15.000 assinaturas que não passam de um espirro de massa cinzenta anti-democrática no contexto total de pessoas com cérebro funcional e que deviam até ser ignoradas, por irrelevantes, a começar por mim. Como tudo deu, evidentemente, em águas de bacalhau, agora gritam que para a próxima ida às urnas vão votar no Chega, ou no Basta, ou lá que é, única solução para correr com ela e restante escumalha esquerdo-radical. Joacine Katar Moreira, do Livre, Romualda Fernandes, do Partido Socialista, e Beatriz Dias, do Bloco de Esquerda, são todas luso-guineenses e foram eleitas para o Parlamento português. Ela, a cabeça de lista por Lisboa do Livre, primeira mulher negra a encabeçar a lista de um partido a concorrer às eleições legislativas, há muito tinha afirmado que "gaguejava impecavelmente quando falava". Mesmo que ela não tivesse chamado a atenção para o facto seria impossível não dar por isso. Mas quando apareceu na TV é que Portugal despertou para existência da Lady Gaga portuguesa, como alguém se lhe referiu, com humor mordaz e bem metido, espero que ainda tenham sentido de humor para apreciar a piada.

Mais episódio, menos episódio, passei todo o efervescente tempo eleitoral e pós-eleitoral sem ouvir a Joacine. A semana passada, mais um episódio que consegui quase, quase não comentar, não fosse uma postagem de uma blogger simpática, que resolvi corroborar, a do seu assessor de saias. Quanto a isso só posso dizer que o rapaz não sabe fazer a melhor combinação possível, devendo pedir umas lições ao Marc Jacobs, ao mesmo Ewan McGregor. Aquela saia plissada parece ter saído do guarda-fatos da mãe e não parecia combinar com o resto de forma airosa. No entanto, a verdade é que não me detive muito no conjunto. Digamos que, um homem, qualquer que ele seja, tem de fazer mais do que vestir uma saia para conseguir a minha atenção. E sim. Se querem usar saias, não serei eu que vou dizer que não devem. Afinal, também as mulheres se fizeram à luta pelo direito de usar calças. É a vez deles conquistarem o direito a mostrar as pernas, nada de mais. E lá por ser na Assembleia, recordo um tempo em que homens sem gravata eram ofensivos no hemiciclo, hoje o que não faltam são pescoços ao léu e ninguém fala.


Foi preciso que me perguntassem se eu já tinha visto a primeira intervenção da Joacine no Parlamento, a propósito da apresentação e discussão do programa de Governo, para, finalmente, eu tomar contacto com a desdita da senhora. E ó-meu-deus. A Joacine, não é gaga, ela é, afinal, muitíssimo gaga. Como é que alguém pode ter pensado que ela estava a fingir gaguejar para cair nas boas graças do eleitorado? Apenas porque nem sempre gagueja com a mesma intensidade? Mas quem é que a vai julgar mais ideal para o lugar por gaguejar? Acreditam mesmo que alguém que não seja gago, mas que pertence a uma minoria, - ou mesmo que não pertença - se sente melhor representado por uma pessoa que tem menos fluência que a maioria, mais dificuldade em veicular as suas ideias, sejam elas quais forem, e que se sujeita ao escárnio público a cada vez que faz abre a boca? Ou que, acaso sofrendo de gaguez vai votar de olhos fechados na Joacine apenas porque ela é exímia a gaguejar?

A primeira figura pública que me recordo de ouvir gaguejar foi o Raúl Solnado e depois a Maria João Seixas. Mandatária de candidatos, secretária de ministros. Foi assessora política do Guterres, ocupou uma posição importante na Cinemateca, apresentou programas na TV nos anos 90. E quando eu a "conheci" era jurada no mais avacalhado concurso da TV portuguesa: o Cornélia. Foi casada com um realizador português que muito admiro, Fernando Lopes, e mãe do arquitecto, já falecido, Diogo Seixas Lopes. Nasceu em Moçambique. Ainda há pouco estava na televisão no programa Afinidades: conversas serenas com cientistas, músicos, artistas ou jornalistas para terminar as noites de fim-de-semana, que pouca gente deve ter visto, acredito, porque prefiram coisas mais eufóricas.

No cinema demorei anos até ver O discurso do rei, que antecipava enfadonho, - afinal, não era - um filme sobre as atribulações do rei inglês George VI, que era gago. O pai da actual rainha da Inglaterra, Elizabeth II, era o segundo na linha de sucessão do trono inglês. Após a morte de seu pai e quando seu irmão mais velho, Edward, abdica, George é chamado a assumir responsabilidades. Mas para ele, falar em público, um atributo essencial para um líder, era um enorme problema em virtude da gaguez de que sofria: como poderia transmitir ordens? Como inspirar o povo em vésperas da IIª GG? Na vida familiar, George falava com relativa fluidez, mas quando chamado à esfera pública gagueja de modo aflitivo. Procurando a ajuda de um terapeuta pouco convencional, com quem faz amizade, consegue, com esforço, superar a enorme dificuldade.

Posto este intróito, não me sinto particularmente adulta e matura a escrever esta confissão em relação ao vídeo que vi, mas, gente boa,  já não ria assim desde um tempo tal que não me lembro. Terá sido riso nervoso? Excesso de café? Não tenho outra desculpa para apresentar. Os gagos deste país que me perdoem, mas nem eu própria sei a razão de um riso tão incontrolável.  Joacine teve direito a cinco minutos - estão atribuídos 2:30 aos deputados únicos nesta primeira intervenção, mas foi decidido que haveria tolerância devido a gaguez severa da deputada - mas eu se ouvi 2 minutos já foi muito. Chorei a rir em frente ao computador, ao mesmo tempo que lamentava a sua extrema condição e admirava a sua força para estar ali, a forma como ela terá conseguido, ao longo da sua vida vida, superar o medo, a ansiedade, a frustração e a vergonha de não conseguir ser fluente como os outros. Um exemplo de superação, realmente, uma trajectória que a levou até ao  Parlamento, que tantas vezes não é mais que uma autêntica arena onde os oponentes se degladiam na esperança de fazer o inimigo tombar, esgrimindo  argumentos como lanças, e nem sempre usando nem as melhores palavras nem os melhores modos dentro das regras da civilidade do debate que todos ali ambicionávamos como norma. O ar sério e concentrado dos deputados, muito contidos, disfarçando o desconforto inevitável, mais me deixava envergonhada e a pensar que se estivesse no hemiciclo teria de me esconder ou sair. 

Livre escreveu "A deputada tem gaguez, mas nós não dizemos que a gaguez é um problema". Ah não? Não, o Livre diz que não é problema, e porque não é  pediu tolerância em relação ao tempo das intervenções de Joacine, o que depois considerou até pedagógico, já que contribuiria para "perceber-se que a igualdade não pode ser uma questão formal de atribuir o mesmo tempo a pessoas que não estão em circunstâncias iguais."  A mim parece-me que a Joacine não está em igualdade de circunstâncias porque tem um problema. Julgo que ter um problema não é problema. Fingir que ele não o é, é que é um problema. Acho bem a tolerância, acho sim senhora, mas creio que estão a tentar esconder o sol com a peneira. Não, a Joacine não tem um problema, diz o Livre, ora esta, quem tem um problema sou eu, certo? Note-se que eu não odeio a Joacine, se foi eleita tem direito a estar ali. Não percebo, todavia, que o Livre defenda que lhe é completamente indiferente que a Joacine seja gaga. E citam eles o Demóstenes, que também ele era gago e um orador que ficou na História. Esqueceram de dizer que foi vaiado pelos seus discursos iniciais e que teve de trabalhar duramente para os tornar perceptíveis aos outros sendo os seus esforços nesse sentido quase lendários. Porque não o  rei George VI? Esse homem reconheceu que tinha um problema e porque o seu lugar no palco do mundo assim o exigia, aprendeu a controlá-lo.

Note-se que eu entendi o (pouco) que Joacine estava a dizer. O diabo da interferência é que é grande, obrigando a particular mobilização e paciência da minha parte para o conseguir. O Livre reafirma que a "eficácia ou não da comunicação e da defesa de ideias e propostas" não é algo que preocupe uma vez que, "na prática, a mensagem passa perfeitamente".  E continua: "É uma questão de adaptação, de um esforço que todos devemos fazer. Não vemos isto como um problema." Ora, lembremos que a  gaguez traduz-se por perturbações da fluência do discurso verbal, não é considerada nem uma deficiência nem uma doença. A origem da palavra "parlamento" é a língua francesa, "parlamento" vem de "parlement", antigo tribunal de Justiça na França, de "parler", "falar", porque essa é a actividade preponderante no local. Escusam de me vir dizer que mais vale um parlamento de gagos com ideias que um de oradores exímios sem nenhumas. Já sabemos que muitas vezes a oratória na Assembleia da República é totalmente podre. Mas, no caso da Joacine, a comunicação sai prejudicada. A comunicação sofre de "ruído", ou seja, a mensagem não é descodificada pelo interlocutor a 100% em virtude da existência de "ruído",  que como bem sabemos, não tem que ser apenas o barulho do local, pode ser a voz baixa do emissor. Mas se uma voz baixa é problema, porque não a gaguez extrema? Porque o Livre diz que não?

Estarei a ser picuinhas, chata, embirrenta, preguiçosa, intolerante se disser que a   mensagem da Joacine não passa perfeitamente?  À semelhança das canções que ouvia na rádio velhota e cheia de  interferência que os meus tinham quando eu era miúda, também me parece que a mensagem da Joacine não passa ou pode não passar completamente.Conseguia então perceber a música e a letra  mas dizer que a recepção tinha sido  ideal  ou perfeita seria muita bondade. Quantas vezes não mudei a rádio de lugar  e até de estação se nada resultava? E não existe um problema, Livre? A Joacine  tem  todo o direito a ser deputada, isso é  evidente, ou a ser professora ou pivot de notícias na TV. Mas poderemos sequer equacionar, sem sermos acusados de rechaçar o diferente de nós,  de sermos intolerantes, ou sem sermos acusados de discriminação, que  uma professora de português ou uma locutora com níveis elevados de gaguez, como  o de Joacine, seriam menos que ideais, não obstante a sua craveira profissional? Imaginamos sequer um Ministério da Educação a justificar aos encarregados de educação preocupados que a professora de português não tem nenhum problema, que os alunos é que têm de se "adaptar à diferença"? Ou a televisão a deixar uma Joacine substituir o José Rodrigues dos Santos e os seus ginasticados trejeitos e petulância? (Não faltaria quem aprovasse!)


O Livre anda entretido neste finca-pé como se disso dependesse o combate da homogeneidade do meio político na Assembleia da República. Por estes dias já se ficou a saber que Portugal tem cerca de 100 mil pessoas com gaguez. A Joacine foi eleita e o assunto dominante na media é o preconceito contra o gago, o humor terrível e estereotipado que se faz em torno da figura do gago, o direito que o gago tem à realização pessoal e profissional. Da próxima vez o Livre vai procurar eleger um deputado canhoto, depois, um albino, e por aí fora?

O que me parece é que o Livre deveria mesmo começar a pensar  numa estratégia para "facilitar algumas vidas", como escreveu a Joacine no Twitter, ao publicar um resumo da sua intervenção, pelo menos naquele caso específico das intervenções públicas da deputada, não porque a Joacine tenha um problema - lembro que o Livre diz que não tem, - mas porque eu, de facto, e outros, temos.  O Livre não se preocupa que eu, e todos os que temos um problema, deixemos de prestar atenção à Joacine? A única deputada que elegeu? A única porta voz do partido? Boa sorte.


Sugestão de leitura

Associação Portuguesa de Gagos

Ser gago tem pelo menos uma vantagem, para ler aqui.

Quando as frases são partidas aos bocadinhos, para ler, aqui

“Talvez eu gagueje por timidez”. Ponto final. Se dependesse dele a Psicologia entrava em falência: “Não sei e nem quero saber qual é a causa e tão-pouco quero saber de terapias!” O facto de nem todas as frases lhe saírem a jacto nunca serviu de obstáculo para pisar o palco e de ter tido um rol de namoradas: “Ser gago é o meu charme”. Raúl Solnado

Comecei a brincar com isso. E nunca senti que fosse um handicap”. Se o pianista e o compositor quiser, pois o impossível acontece: “Falo devagar e ninguém iria reparar. Mas é uma chatice!” Falar de fita métrica. Vai falando até que as palavras façam fila. Mário Laginha


Comentários

stiletto disse…
Por acaso nunca tive vontade de rir com as imagens de Joacine mas compreendo quem se ria. Tive um colega gago na escola por isso não acho estranho. Acho aflitivo. Tenho uma grande admiração pela coragem da deputada se sujeitar a esta exposição. Eu não sei se teria. Acho que ela tem todo o direito de estar no Parlamento já que foi eleita mas não consigo como é que ela chegou até esta fase da vida sem ter feito terapia da fala de modo a transmitir melhor a mensagem que pretende. A sorte é que, daqui por umas semanas, deixará de se falar na Joacine.
No entanto sou obrigada a concordar com o que o Daniel Oliveira escreveu no Expresso, a estratégia do Livre está demasiadamente personalizada na sua deputada e isso não faz grande sentido para mim.
Eu própria não compreendo porque me ri daquela maneira e gostava. Também tive um colega gago no Liceu. Mas não muito. Nunca me ri dele. Ele era algo esquivo, julgo que um pouco da timidez se ficasse a dever à gaguez. O Livre vai ter de rever o que anda a fazer. Não sei o que escreveu o DO mas li bastantes textos do Rui Tavares e agora não percebo bem o que se passa por ali...
Konigvs disse…
Eu acompanho o Livre de perto. Estou à vontade, já votei no LIVRE mais do uma vez, não o fiz nestas legislativas. Porquê? Porque seria mais um dos 600 mil votos que iria para o caixote do lixo, que não iria eleger ninguém, pior, se calhar iria contribuir para eleger alguém que não quisesse mesmo, estilo PSD ou PS.
O Rui Tavares foi considerado o político português mais influente do Twitter. Adiantou de alguma coisa? Não. Nas últimas legislativas o LIVRE teve cerca de 15 mil votos por Lisboa, o partido não elegeu nenhum deputado e ficou com umas boas dívidas para pagar. Desta feita o LIVRE obteve 22 mil votou e elegeu o seu primeiro deputado. É por Joacine ter feito uma brilhante campanha? Não acompanhei a campanha mas não creio. Foi eleita por causa do mediatismo aoseu redor, logo, claro que deu jeito que ela fosse, primeiro preta e depois a reforçar o centro das atenções, fosse gaga!

O conteúdo interessa em política? Não! Era Passos Coelho (criação de Ângelo Correia e Relvas) um melhor político que Ferreira Leite e Pacheco Pereira? Não! Passos Coelho é medíocre! Nem roubar sabe! (aquela de dizer que não sabia que um trabalhador tem que descontar para a Segurança Social não lembra nem ao Diabo que ele tanto invocava para vir!) Mas Passos tinha carinha laroca e tinha voz colocada! Há anos que disse que nunca na vida que o Costa teria maioria absoluta! E nem contava com a estupidez de PSD e CDS na questão dos professores! Costa não tem cara para maioria absoluta! É tão simples quanto isso! Nem o Guterres tirando o bigode conseguiu maioria! Mas o bem vestido do Sócrates conseguiu!

Só interessa o supérfluo! Conteúdo não interessa para nada! Em tudo! Até aqui nos blogues! Vejo blogues com muitos seguidores que não têm qualquer conteúdo de jeito! As pessoas querem lá saber do conteúdo! Querem é sangue! Querem gaguez, querem saias! Não querem saber que houve eurodeputados portugueses no parlamento que votaram contra a ajuda aos migrantes! Mesmo que tenha vindo de um partido que se diz "pró-vida" e cristão como o CDS!! A moção não passou por dois votos!! DOIS VOTOS!!!

A guaguez da deputada do LIVRE é um não assunto! Como é um não assunto a Isabel Moreira pintar as unhas no parlamento, ou o Costa aterrar em Angola de calças de ganga. Infelizmente a imprensa peçonhenta portuguesa só se entretém com não assuntos. Depois admiram-se que sejam eleitos facistas como o André Ventura, mesmo que tenha feito um doutoramento em que se mostrava preocupado com as minorias!!
Não é um não-assunto, não, não é. Isso é quase o mesmo que o Livre a dizer que não é problema. Vai ser um problema, não para mim,claro, mas para o Livre, sim. É evidente que o sim-assunto da moção não passou despercebido, mas a maioria das pessoas concorda com esse sentido de voto, mesmo calada. Duvida? Como o caro amigo que não anda nas redes, deixe-me dizer-lhe que estive longamente ausente do Facebook após, creio, 2015,altura dos intensos fluxos migratórios, do naufrágio- choque de 700 pessoas e da "crise de solidariedade" por parte dos Estados Europeus, com cada um a adoptar as medidas que entendia, quando o anúncio - e bastou isso, eles ainda não tinham chegado e demoraram a chegar, e, quando chegaram ninguém deu por eles, e metade deles nem sequer cá ficaram - de que Portugal iria receber migrantes suscitou por lá uma verdadeira onda de xenofobia. Pessoas que eu julgava conhecer escreveram barbaridades, a malta desamigava-se como nunca, por tudo insultavam-se, uma coisa indescritível. Cansada e enojada com tudo aquilo mandei o FB à fava, estive longe meses, e não tivesse sido a morte do David Bowie não teria regressado, não vou explicar o nexo, que parece esquisito, não vale a pena. Só os ingénuos é que pensam que a sociedade portuguesa é tolerante. O facto desse assunto-assunto ter sido pouco notado diz muito mais do que se ele tivesse sido amplamente discutido. Quanto a conteúdos: nem no Facebook, nem aqui me esforço por abordar assuntos de mérito, o que não quer dizer que lhes seja alheia. Isto não passa de um recreio. Não sinto ter qualquer obrigação nesse sentido, não estou aqui para formar ninguém, ou sequer para informar. E, aliás, poucas são as pessoas que me brindam com comentários como o seu, por isso, não vale a pena gastar os neurónios com coisas sérias...
Inês Pereira disse…
Ora aqui está um assunto que muito me tem intrigado. Não por duvidar da legitimidade do Livre escolher os seus representantes nem do direito conferido pelo voto que conquistaram. Mas concordo que, sendo a política um trabalho que utiliza a palavra como principal ferramenta, esta escolha me parece pouco recomendada e talvez não seja a melhor forma de alcançarem o crescimento que, imagino, pretendam. É esperar para ver o que este novo parlamento nos reserva nos próximos anos.

Não Digas Nada a Ninguém
Konigvs disse…
O que para mim o não-assunto serviu, foi precisamente para ao menos ter iluminado a minha mente e ter visto colegas, que eu pensava terem um mínimo de neurónios na cabeça, dizerem que a senhora fazia de propósito para gaguejar! Eu vivi mais de quarenta anos para ver pessoas dizerem esse tipo de barbaridade! E claro que o nosso país é racista! À boca pequena claro! Isto é como muita gente diz "temos que acabar com o politicamente correto", mas depois os mesmos ficam enraivecidos quando o BE não aplaude o rei de Espanha no parlamento ou quando um tipo qualquer vai de saia ao parlamento! Tivemos 50 anos de ditadura, estas mentes ainda precisam de ser arejadas! Mas aos poucos isto vai lá, parece-me!
E o seu blogue tem até excesso de conteúdo! Publica a alta frequência e analisa as coisas com grande profundidade... e agora vou mas é preparar-me para dormir! Boa semana!
Paulo disse…
Vou abordar o tema remetendo-me à minha profissão.
A minha melhor professora de matemática do último ano de curso, chefe de departamento e com decisão final a respeito das nossas notas de estágio um dia disse: "Um portador de deficiência visual não devia ser admitido para cursos de professores". Na altura, até eu me insurgi. Da minha turma, fazia parte um rapaz com ligeira deficiência motora e problema na fala, com gaguez associada. As aulas dele eram não aulas. Os alunos tomavam conta do cenário e tudo destruíam, humilhavam... Estávamos em 96. A professora voltou a pronunciar-se de forma semelhante. O certo é que, em função das nossas limitações, pois todas as temos, há lugares a desempenhar que não têm de ser aqueles que carecem de maior projeção. Quando penso neste meu colega, com a Escola dos nossos dias... Por exemplo, aquelas expressões que a deputada faz ao falar, ele fazia-as para abrir a porta de casa (vivemos na mesma casa 3 a 4 anos). Embora nada tenha a ver, o mais complexado, com as gorduras, com o que os outros podiam pensar era eu. Ele sempre caminhou de cabeça erguida. Estagiei e conclui o curso mais cedo, mas o que se fez ouvir e o quanto demorou para terminar o curso, em tempos que nem todos tinham telemóvel, muito menos internet...
Banda sonora para o comentário: Mad World
Insensato, na faculdade tinha colegas invisuais e depois conheci colegas advogados, um morou na minha rua. Há aquele advogado famoso, americano, não por ser advogado, mas por ser um homem que viveu - e vive- num pulmão de aço desde criança, cuja história já devia aqui ter divulgado. Todos casos de sucesso profissional. Possuir limitações nem sempre é obstáculo, umas vezes sim, outras vezes, com o auxílio de instrumentos e de terceiros, pessoas extremamente voluntariosas mostram que são capazes e envergonham-nos completamente. Na faculdade também havia uma anã que cabia debaixo da mesa do bar. Nunca duvidei que fosse tão capaz como eu de tirar o curso, ou, quem sabe, até mais. Estava sempre rodeada de colegas e deve ter seguido com a sua vida. Ainda me lembro dela a subir para a primeira linha do anfiteatro, com os joelhos.Se estas pessoas sofriam? Nem duvido. Devem todos ter passado por momentos complicados, mas não desanimaram. Só alguém muito mesquinho seria capaz de dizer que não tinham lugar ali...como essa professora. A minha irmã tem um colega invisual que dá aulas há mais de 20 anos, mas não sei dizer se a jovens ou adultos, tipo noite, hei-de perguntar. Com a indisciplina que hoje existe, a distribuição de horários a um invisual tem de ser muito cuidadosa ou então restaria talvez a hipótese da co-docência, alargada, que nem sei se pode ser feita. Mas, lá está, os problemas têm solução desde que não sejam iludidos.
Konigvs disse…
E acabei de tropeçar neste artigo de opinião no Diário do Minho:

https://www.diariodominho.pt/2019/11/05/ser-gago-tem-pelo-menos-uma-vantagem/

Obrigada pelo link! Gostei imenso de ler! Vou até colocar nas sugestões de leitura!
Flora Rodrigues disse…
O engraçado é que me dei ao trabalho ver um vídeo da campnha dela no Youtubede quase uma hora em que ela raramente ou nunca gagueja. Creio que esta intervenção na AR se deveu ao nervosismo, pois sabemos que tem influência na Gaguez. Lembrei-me do discurso do Rei e que esta senhora deveria procurar igualemnte alguém, mas não me parece ...