Cinema da Islândia: Mulher em guerra, de Benedikt Erlingsson

(Contém alguns spoilers)

O tempo presente das sucessivas Greves Climáticas Globais lideradas por juventude parece o ideal  para acolher uma personagem como Halla, a heroína deste filme, de braços abertos.  Em Mulher em Guerra, Benedikt Erlingsson aborda o tema da sustentabilidade com imaginação, simplicidade e humor "seco". Não restam dúvidas que para a "Mulher da Montanha", assim lhe chamam, é clara a necessidade de agir sob pena de desastre - o filme encerra na Ucrânia com um autocarro afogado em virtude de cheias - e com urgência. No decurso da sua guerrilha ambiental, ela ataca apenas estruturas, usa a pressão económica aliada à não violência, que lhe foi inspirada pelos heróis que admira e cujos posters estão na parede de casa: Mandela e Ghandi.

Halla, uma mulher madura, enérgica, e muito empenhada na protecção da beleza natural da Islândia, é surpreendida a meio da sua jornada de luta por uma notícia que a perturba: a sua candidatura de há anos foi deferida e ela poderá, finalmente, ser mãe adoptiva. A mulher que quer mudar a face da Islândia é agora  convocada, ela mesma, a mudar a sua vida. Parece não ser capaz de aceitar tamanho desafio. Vacila. Como conciliar a adopção de uma criança com a sua luta, o activismo ambiental a que se entrega de corpo e alma, de forma secreta, enquanto dirige, acima de qualquer suspeita,  um coro na sua comunidade?  

Halla, solitária, luta contra os moinhos da engrenagem industrial, uma empresa poderosa, produtora de  alumínio, e o Governo, que está pronto a sacrificar tudo pelo lucro, percorrendo a pé as belas paisagens islandesas, um tesouro que a fotografia do filme ajuda a realçar. Munida do seu arco e flecha e um saco de ferramentas e explosivos, provoca curto-circuitos ou dá caça um drone que a persegue - temos concorrência forte para o Gavião Arqueiro! É divertido vê-la a iludir a mira das autoridades e a escapar aos cães pisteiros usando uma pele de carneiro que encontra morto e a que remove as entranhas para se camuflar. Torcemos por ela como se fosse a Viúva Negra em perigo! Lamentamos a gota de sangue que escorre para a terra e que sabemos a irá denunciar quando se fere a  serrar os cabos de uma torre eléctrica que pretende derrubar para interromper a alimentação de energia à fábrica. Bom entretenimento, portanto, num filme onde também é reconfortante observar a humanidade das personagens que se traduzirá num desfecho favorável.

Mulher em Guerra nunca chega a ser muito grave embora comova quando aborda a maternidade em perspectiva, por exemplo transformando uma simples cena onde Halla vai buscar um saco pressurizado com roupas de criança que tinha guardadas num momento especial. É difícil catalogá-lo: tem elementos de um thriller, parece um filme de espionagem e sabotagem em modo DIY, uma verdadeira aventura, mas ao mesmo tempo junta elementos de comédia. Um grupo de três músicos islandeses, tuba, acordeão e bateria, e um pianista, seguem Halla pelos campos, até à sala de estar da sua casa ou mesmo acima dos telhados, preenchendo o filme de boa música mas também emprestando significado à acção, criando suspense, sublinhando algo, como se fosse um coro que comenta. Um verdadeiro coro de cantoras Ucranianas vestidas com trajes tradicionais e coloridos vem encher o final de esperança, cantando na chuva, protegidas pelos guarda-chuvas daqueles outros músicos. 

Erlingsson, o realizador, é um homem convicto da causa ambiental responsabilizando até os festivais de cinema por provocarem reais "farting carbon crisis" porque os seus participantes viajam pelo mundo de avião, apanham táxis, comem demasiada carne, ligam ar condicionado. Quem sabe se Halla não poderá aparecer numa sequela onde, em vez de combater o governo e a indústria do alumínio, agitará as águas da indústria cinematográfica que produz muito mais do que consegue ser distribuído. O realizador afirma que o homem anda desde a II Grande Guerra tão obcecado com o entretenimento que se esqueceu das outras prioridades. Menos filmes, menos festivais, menos convidados, sugere Benedikt. Mais conferências via web para se evitarem longas viagens de avião para comparecer a entrevistas de 10 minutos. Também quer que plantem árvores se forem a um festival e um dia poderão ser feitas festas pela noite fora na floresta que crescer. Em suma, quer que  mudemos o nosso estilo de vida. Infelizmente somos fracos, totalmente dependentes do consumo, diz ele.

Ora, eu, que até fui, durante anos, cliente de vários festivais de cinema nacionais, leio estas coisas e só dou por mim a pensar, wtf, onde nos conduziu o futuro. Se nos propusermos pensar a sério sobre o que nos rodeia é tudo insustentável. Até um festival de cinema! Já imagino os boicotes e petições à porta do Fantasporto! Tudo tem que mudar. Nem vos digo como se tornou chato viver num tempo em que me dizem constantemente que tenho de mudar. Apetece-me dizer que mudem os novos, que eu já sou velha demais para isso. Mas eis que Benedikt me apresenta Halla, a eco-lutadora. É da minha idade, mais ruga menos ruga. Pergunto-me se não estarei a ser preguiçosa, acomodada? 

Evidentemente que me preocupo com os males do planeta, a poluição, o desperdício. Sou regrada nos consumos, poupo recursos, reciclo. Mas faço-o não porque me tenha apaixonado pelo activismo ambiental ou descoberto agora a eminência da catástrofe. Faço-o porque sempre o fiz, é verdade, sempre o fiz, em maior ou menor escala, talvez porque me ensinaram isso em criança: respeitar o ambiente, respeitar a minha casa, o meu corpo. Combater os excessos, procurar o equilíbrio.  De um momento para o outro, esses ensinamentos quase de nada valem. É tudo pouco. Não há cantinho da minha existência que não seja desassossegado pela causa ambiental. Já só falta pedirem-me que não respire tanto para poupar oxigénio. É assim que por vezes me sinto: asfixiada. Era realmente bom que aparecessem uns Vingadores e resolvessem todos estes problemas por nós. Era ou não era?

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