A icónica camisola de Paddy Cosgrave


Foto de Pedro Sousa Filipe, que fotografou Paddy Cosgrave, o ano passado envergando a camisola que este ano resolveu colocar à venda, justificando o preço elevado com o número de horas necessárias à sua produção manual. 

Nas teias da Web apareceu uma camisolita azul que tem provocado algum comentário. Paddy, o conhecido Summitico CEO, abriu uma loja online para vender merchandising. E lá se diz que a tal camisola é "icónica". Onde é que está o icónico dela eu não vi. Talvez nos 850 euros que custa. Talvez Paddy tenha vestido cada uma das 50 antes de serem postas à venda nelas transpirando ideias, inovação e cagança high-tech. Parabéns aos que puderam pagar 850 euros pela pecinha tricotada algures no condado de Donegal e se passeiam nela agora, felizes por terem ajudado a tradição irlandesa em vias de desaparecer. Eu não poderia, e se pudesse também não teria comprado. Paddy diz que a mulher dele só quer ajudar as pobres tecedeiras daquela região e contribuir para que esta tradição não acabe, que isto não é um negócio. Tão nobre. Gostava de saber que dinheiro vivo é que coube às tais mulheres, é, assumo, sou um bocado indiscreta, para não dizer desconfiada das boas intenções.

A loja online
As tais mulheres são, certamente, algumas das que tecem as afamadas camisolas de Aran, originárias das comunidades piscatórias, cheias de intrincados motivos tecidos que contam uma história. Mas esta, do Paddy, que até tem uma cor catita, é apenas banal, por excelente que seja a sua lã ou demorado o método tradicional de fabrico. No entanto parece ter cativado 50 "beneméritos": esgotou num ápice. No site da Web Summit também se vendem as tais camisolas feitas à mão, que celebram as raízes irlandesas e que demoram 40 horas a fazer. Mas essas já não são anunciadas como icónicas.




Ora aqui está uma Aran de cor branca por 250 euros, tecida à mão no tal condado de Donegal, e que até pode ser comprada online na Irish Store por qualquer um de nós, verdadeiramente dados a peças icónicas e não a caganças high tech.


Por falar em camisolas icónicas, eis o meu contributo para a divulgação de uma das nossas mais icónicas camisolas: a Camisola Poveira*. Aposto que o Paddy desconhece. Isto já é passado a mais para o seu olhar sempre tão futuro para o negócio.

Estado do momento: a sentir-se sarcástica.

*São camisolas de lã branca, bordadas em ponto de cruz com motivos em preto e vermelho (escudo nacional, com coroa real; patinhos; siglas; remos cruzados; vertedouros; etc.), produzidas por dezenas de artesãs poveiras que destinam a sua produção às casas de artigos regionais. "A camisola poveira era inicialmente [1ª metade do século XIX] feita em Azurara e Vila do Conde e bordada (ou marcada) na Póvoa pelos velhos pescadores. Em evolução, passou a ser bordada pelas mães, esposas e noivas dos pescadores, e, depois feita e bordada na Póvoa."

Esta peça integrava o traje masculino de romaria e festa do pescador poveiro, cuja origem remonta ao primeiro quarteirão do século XIX. Este traje branco ou de branqueta (tecido manual) foi o que mais perdurou, mantendo-se até finais do século passado, sendo sempre o traje escolhido aquando da presença de elementos da comunidade junto das mais altas individualidades políticas.


Com a grande tragédia marítima de 27 de Fevereiro de 1892, o luto decretou a sentença de morte deste traje branco, assim como de outros trajes garridos. A camisola sobreviveu, ainda, pela primeira metade deste século, mantendo-se como peça de luxo de velhos e novos.

A recuperação do vistoso e original traje branco deveu-se a Santos Graça que, ao organizar o Grupo Folclórico Poveiro, em 1936, o ressuscitou e divulgou. (T
exto e foto: Facebook de Ricardo Carriço)

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