Professor insulta e agride aluno do 8º ano devido a telemóvel

Quando a gente lê um título onde as palavras "Pânico", "Professor" e "Escola" se alinham, no mínimo questiona se não haverá ali um pouco de clickbaiting, porque queremos todos acreditar que os actos de violência de professores na pessoa de alunos ficaram para trás, com o tempo da escola Salazarista. O redactor usou palavras fortes: o aluno do 8º ano foi agredido "violentamente". E foi o caso. Alunos e professor relataram a mesma versão do sucedido. Mas nos dias seguintes apareceram mais notícias de violência na escola e desta vez são os professores os agredidos.  Notem como o redactor destas foi mais tímido ao referir-se à violência a que os professores foram sujeitos, um professor e uma professora.

A violência contra professores parece nunca ser considerada “violenta” por ninguém. Afinal são vítimas de crianças, adolescentes e jovens. Ocasionalmente, adultos. Há sempre uma boa justificação. Além do mais, essa tal violência por parte dos alunos seria uma com que os docentes deveriam ser capazes de lidar. Eles são adultos, os alunos, não. Um professor teria, à partida, vantagem, técnicas e tácticas, estratégias, truques e trunfos na manga para lidar com essa violência. Mesmo se enfrenta um grupo. E caso não tivesse é porque se trataria de alguém inexperiente, mau profissional, gente que está no ensino não por paixão, mas por não ter tido opção, logo, a mais. Acredita-se nesta fantasia de que o professor é um super-herói, alguém infalível, com poderes especiais, capaz de lidar com a violência de forma fantástica em qualquer situação, ao contrário, por exemplo, do carteiro ou do padeiro. E se um professor partiu para a violência é logo porque é assim que descarrega frustrações, e não porque seja como qualquer um de nós, e por um triste momento, incapaz de lidar com o aluno. Não tem atenuantes. Sempre pensei que o professor tinha super-poderes era para lidar com a ignorância, não com a desobediência! É verdade que, fruto de aprendizagens à sua custa, existirão professores mais treinados em lidar com perfis complicados que outros. Mas os professores não saem da faculdade instruídos em falta de educação, prepotência e rebeldia. Mas, se este rumo continuar, não tardarão aí acções de formação para os formar a todos no ingrato tema sem excepção. A insubordinação nas escolas tem aumentado quase tanto como o número de professores tenderá a diminuir.

Quem quer que conheça professores já ouviu muitas histórias que nunca chegam aos jornais. Histórias de mau comportamento na sala de aula são o leite do dia. Atitudes de desafio aos professores, de questionamento das suas directrizes, de desrespeito da sua autoridade, de desinteresse manifesto pela matéria seja qual for a forma da sua didatização - desde a ficha normalizada, passando por apresentações, palestras, convites a oradores, utilização de meios informáticos interactivos, vídeos e filmes ou até visitas de estudo, tudo é boicotado, criticado, desvalorizado. Estudar é uma enorme maçada, algo sem interesse palpável, o aluno está ali porque é obrigado. Não sabe ser estudante. Não sabe estar, nem na sala de aula nem num museu que vai visitar. Só sabe ser criança e adolescente e jovem adulto mal educado, impertinente e respondão.  Os professores não são mágicos e alguns não conseguem mesmo lidar e resolver esta, a violência miudinha diária de uma rotina stressante que os vai minando mês após mês. E como a maioria não aperta pescoços nem solta palavrões, aguentam, aguentam até estoirar por dentro. Acabam de baixa, inseguros, atormentados, deprimidos, e a sujeitarem-se ao calvário das Juntas Médicas, trios de médicos reduzidos a burocratas que apenas cumprem a lei fazendo contas a dias mais dias e dinheiro público e não às razões e lesões dos docentes que voltam muitas vezes às escolas ainda debilitados, física e/ou mentalmente, para se sujeitarem a mais do mesmo. 

O apoio ao professor de TIC tem sido desconcertante. A maioria dos que comentam as notícias estão com ele apesar do "violentamente" dos títulos, do "pânico" e das "marcas de dedos no pescoço". Ora, um professor que na primeira aula decide meter na ordem os alunos, apenas faz o que todos deviam fazer. É a minha opinião, sim. Não sou professora mas dei muitas horas de formação. Conheço um pouco das dinâmicas perversas que se podem instalar numa sala de aula se o permitirmos. Infelizmente o que ele fez é crime, vai prejudicá-lo muito e é provável que esteja tremendamente arrependido da sua falta de controlo. Porque era a aula de apresentação, talvez até todos pudessem estar descontraídos, dizer umas baboseiras, o que, sem dúvida, o professor de TIC aceitou. Mas teria sido mais sensato definir e pôr em prática as regras de disciplina e funcionamento das aulas. O professor foi ingénuo. Esta escola que aí está não permite ingenuidades. E é evidente pelo clima descrito na sala que estava receptivo a alguma brincadeira, mas não qualquer uma, sobretudo não autorizada. 

Para este professor usar o telemóvel estava fora de questão e ele já tinha avisado antes: duas vezes. Ora, como criança rebelde desta era tecnológica do "sempre conectados para nos sentirmos vivos", do "eu posso fazer o que me apetece porque em minha casa sou tratado como um rei" e do "onde é que está no regulamento da escola que não posso ver as horas?", o aluno desobedeceu e desafiou a instrução dada. Duas vezes. O castigo chegou de forma violenta, um que noutras eras seria aplaudido por pais, mães, escola, governo, padres e polícias de norte a sul, mas que agora é bárbaro, violento, inadmissível.  O professor não devia ter usado a força física nem o calão para disciplinar o insubordinado. Então devia fazer o quê? Mandar para a rua o telemóvel e o aluno? Participar ao director de turma? Ou exigir o cumprimento das regras que queria ver cumpridas na sua sala de aula, novamente? Eis o drama com que actualmente muitos professores se confrontam todos os dias, em muitas escolas por esse país fora: os alunos, quando interpelados a cumprir, uma, duas, três vezes NÃO CUMPREM. Fazem braço de ferro com o professor quando têm de escrever uma resposta, quando são mandados fazer trabalho de grupo com um colega de quem não gostam, quando se lhes pede para ler algo, quando se pede silêncio, quando se pede para manter o telemóvel na mochila durante a aula. Ripostam quando resolvem que é ali que têm de retocar a maquilhagem, que querem usar o boné, dormir sobre a mesa, comer e beber dentro da sala, atirar borrachas esmigalhadas uns aos outros, e tudo o mais que lhes apetecer.

Não é estranho que os miúdos escolham revoltar-se contra a escola, uma ferramenta que lhes vai ser útil no futuro. Não sabem melhor ainda, claro, e, por outro lado, alguns adultos, a família,  falharam em conseguir convencê-los disso. Intriga-me concluir que a alunos a quem é oferecido o que nunca tivemos, inclusivamente uma abertura e um diálogo com os professores como nunca tivemos, um ambiente de aprendizagem muito mais rico, manuais, cadernos de revisões caríssimos, internet em todos os computadores das escolas, mediatecas com recursos, detestam a escola mais do que alguma vez nós detestamos. Os alvos fáceis desta rejeição são os professores que hoje se encontram despojados de quaisquer autoridade dentro da sala de aula, devido a muitos factores: a erosão de valores como o respeito ou a obediência, um sentimento reinante de impunidade da juventude, a atitude superprotectora dos pais em relação aos seus filhos, sempre isentos de culpas, a subordinação das escolas a directivas que tornam os alunos intocáveis, mais focadas que estão no sucesso a todo o custo e na inclusão do que no combate à indisciplina, que julgo ainda não estar a ter a atenção que devia por parte dos responsáveis. Os sinais da ineficácia são mais do que muitos. Mas o que se faz? Disciplinam-se orgulhosamente os professores preguiçosos que estão de baixa porque gostam é de vida boa, permite-se que os pais enxovalhem professores à mínima queixinha dos filhos, que, no intervalo, logo ligam do telemóvel ao papá e à mamã a reportar o enxovalho. Aparecem prontos para a desforra no minuto seguinte ao portão da escola. Mas quando o director de turma os chama à escola para tratar de assuntos do seu interesse, estão sempre a trabalhar e adiam. Eis por que digo que a melhor defesa de um docente é não dar espaço a que os alunos ganhem terreno e por isso o melhor é definir logo as regras do jogo desde a primeira hora. 

Evidentemente que a Directora da Escola Rainha Dona Leonor não se lembra de nenhum caso assim em 20 anos de escola. Tenho a certeza, todavia, que, se questionada, se deverá lembrar de muitos docentes de baixa e não necessariamente por terem sido acometidos por doenças da velhice, embora seja sabido que a classe docente está envelhecida. Desses ninguém quer saber. São os fracos, os que comeram e calaram. Os que não conseguiram aguentar. Os que pagam duramente a sua entrega a uma profissão que não lhes paga o devido, não lhes dá qualquer status e apenas os mina até ao limite das suas forças, mesmo se adoram o que fazem e o fazem bem. 

Os pais estão assustados, escreveu o pai de uma das crianças da turma e redactor da notícia sobre o professor de Alvalade. Pois, devem estar. Mas não apenas porque um professor perdeu as estribeiras e agarrou um miúdo desobediente pelo pescoço chamando-lhe filho da puta. Deviam estar ainda mais assustados porque centenas de alunos por essas escolas fora transformam o quotidiano escolar de professores, funcionários e colegas num suplício. Boicotam sistematicamente o curso normal das aulas semana após semana: não querem aprender, não deixam os professores ensinar nem os colegas aproveitar. O dia chegará em que os pais pedirão por professores que não há. Será o regresso da escola em casa? Ou da telescola? Aguardemos. Os pais deste país que atentem no sucedido em Alvalade e que se preparem para o futuro porque os professores não são mesmo super-heróis.

O docente foi levado para a esquadra dos Olivais Sul e foi então interrogado e ouvido pelas autoridades. Ficou detido para ser levado a tribunal no dia seguinte.


Em 2013 a Unesco publicou um guia com 13 motivos para tornar o telemóvel uma ferramenta pedagógica, um aliado no processo educativo. Na realidade o telemóvel é um pequeno computador com ligação à internet pelo que facilmente se percebe que pode melhorar o alcance da educação, ajudar em necessidade de traduções com alunos estrangeiros, optimizar tempos de pesquisa que podem ser feitos na sala de aula sem deslocação à mediateca, juntar aprendizagem formal e informal, aliar o jogo à aprendizagem, entre outras possibilidades. No entanto, raras vezes o telemóvel é utilizado em contexto educativo, seja porque os professores não estão habituados a isso ou não reconhecem o potencial das aplicações móveis, ou porque preferem meios mais controláveis, como os computadores, que, com crescente portabilidade, se revelam práticos e consensuais. O uso indevido do telemóvel é muito fácil, e vai desde a mera distracção dos alunos, à captação de imagens indevidas, e ao despoletar de advertências contínuas nas salas de aula que prejudicam o normal desenrolar das actividades escolares. O incidente de Alvalade foi despoletado pelo seu uso indevido.

Em 2018 a França proibiu o uso de telemóveis em todas as escolas : "Os smartphones são um avanço tecnológico, mas não podem monopolizar as nossas vidas. Não pode encontrar o seu caminho num mundo de tecnologia, se não pode ler, escrever, contar, respeitar os outros e trabalhar em equipa", afirmou na ocasião o Ministro da Educação, Jean-Michel Blanquer. Os defensores do projecto de lei dizem que o uso de smartphones entre crianças e adolescentes aumentou o cyberbullying, facilitou o acesso à pornografia e prejudicou a capacidade de os jovens de interagir socialmente. Roubo de telefones, extorsão e obsessão por marcas de moda foram outros pontos negativos que justificaram uma tentativa de equilibrar a vida das crianças. A lei permite às escolas decidir o modo como querem aplicar a proibição, podendo obrigar os alunos a colocarem os dispositivos numas bolsas específicas dentro das mochilas escolares, mas permitindo o acesso em caso de emergência, ou uso pedagógico, mas também proibir a sua utilização por completo, sob a pena de sanções.

Existem actualmente em Portugal algumas escolas onde o uso dos telemóveis é proibido.

Sugestão de leitura

Proibidos de usar telemóveis na escola, alunos "reinventaram a forma de estarem juntos". Ler, aqui.

Nesta escola o telemóvel é estritamente proibido para alunos… e pais. Ler, aqui.

Um professor da escola básica terá sido agredido, esta segunda-feira, dentro do recinto escolar. Ler, aqui.

Professora agredida com cabeçada por aluno de 14 anos (com problemas neurológicos)  em escola de Linda-a-Velha. Ler, aqui.

Comentários

Konigvs disse…
Concordo inteiramente. Claro que houve sensacionalismo à volta do caso do professor. É como a velha história dos cães que todos os dias mordem pessoas e não têm destaque na imprensa, mas quando calhar de acontecer um homem a morder um cão será o fim do mundo!
Há uns meses fui a um evento e na ida de autocarro fui sentado ao lado de uma senhora que depois me contou que era professora e que estava de baixa. Como eu não conheço a realidade das escolas nem convivo com adolescentes fiquei boquiaberto com as histórias que ela me contou!!

Acho que é tudo isso. Os pais deixaram de dar educação aos filhos, não os responsabilizam e depois culpam a escola e os professore por aquilo que eles mesmos falharam. Acho que ainda estamos todos bem lembrados do célebre caso "Dá-me o telemóvel já". Falta de educação, de disciplina e rigor. Os pais criam pequenos fedelhos ditadores que depois crescem a achar que podem fazer tudo o que lhes apetecer, os pais acham que se um professor olha de esguelha para o filhinho já podem ir à escola espancá-lo.
Exacto, o homem que mordeu o cão- pensei logo nisso. Bem lembrado. O que será feito da miúda do Dá-me o telemóvel já? Já deve ser uma mulher. Será que seguiu o ensino? (!!!!!!) Muitos dos meus amigos e amigas seguiram o ensino. Um deles foi este ano escolhido como o Professor do Ano, andou por aí nas TV todas. Um enorme problema dos professores é que se lhes dermos guita contam-nos tudo porque são viciados no trabalho. Acredite. Vivem aquilo intensamente.Alguns deles,muito, têm coisas boas para contar, os alunos não são todos uma nódoa. Mas não é preciso. Basta um ou dois por turma para arruinarem uma aula. E não julgue que são apenas alunos provenientes de meios desfavorecidos. Ou filhos de divorciados, coitados dos divorciados que são sempre o cepo das marradas.Até onde percebo acho que a lei do estatuto do aluno devia ser revista. O que é que uma advertência escrita faz? Nada. É um papel, os alunos ainda se riem e limpam o rabo a ela, se puderem. É mesmo assim. Mau, mesmo. A maioria das pessoas não imagina esta realidade porque em muitas situações ela ultrapassa em muito o razoável. Um dos factores que mais problemas está a causar nas salas é mesmo o telemóvel. Acredito que mais dia menos dia acabe proibido no recinto escolar.