Stephen King ensina a escrever como Stephen King

O livro On writing pode ser adquirido na WOOK, online.

Escrever, porquê? 

"A escrita não é para fazer dinheiro, ficar famoso, fazer sexo, amigos. No fim das contas, a
escrita é para enriquecer a vida daqueles que leem seu trabalho, e também para enriquecer sua
vida. A escrita serve para despertar, melhorar e superar. Para ficar feliz, ok? Ficar feliz. Parte deste
livro — talvez grande demais — trata de como aprendi a escrever. Outra parte considerável trata
de como escrever melhor. O restante — talvez a melhor parte — é uma carta de autorização:
você pode, você deve e, se tomar coragem para começar, você vai. Escrever é mágico, é a água da
vida, como qualquer outra arte criativa. A água é de graça. Então beba. Beba até ficar saciado."


Não falta quem escarneça da escrita deste autor multi-premiado não sei se um pouco por culpa do menosprezado género que o tornou famoso no mundo inteiro: o terror. Mas  Stephen King é um dos mais prolíficos escritores norte-americanos e dos que maior sucesso comercial obtém desde os anos 70. Nessa década escreveu Carrie e este ano saiu O InstitutoCampo do medo, está perto de estrear no Netflix: é mais um filme de terror baseado numa história escrita por Stephen King. Um filme que continua a história de Danny Torrance, Doutor Sono, irá também estrear em Novembro. Não creio que as críticas pouco abonatórias lhe tirem o sono e estou convicta de que deve ser imensamente feliz a escrever...coisas terríveis!



O livro Doutor Sono pode ser adquirido na WOOK, online.

Não sou fã do seu género de livros. Apesar de ter visto vários filmes feitos a partir deles, li apenas um ou dois. Gosto de ler biografias e por isso interessei-me por este On writing - memoirs of the craft , que tem uma primeira parte de cariz biográfico e outra dedicada à escrita. Através dele ficamos a saber do interesse de King pela escrita desde muito jovem, percebemos como os seus gostos, por exemplo, pela banda desenhada de terror e cinema de fantasia, o influenciaram. É impossível não rir com algumas das peripécias infantis e juvenis que nos revela. O humor e honestidade deste registo inicial transformam o escritor num homem que nos parece imensamente familiar. É num instante que se alcança a metade do livro. Gostei particularmente de saber como surgiram as suas histórias e de onde lhe veio a inspiração para algumas das suas personagens mais populares. Mas também há lugar a passagens mais agrestes sobre as realidades sociais do meio em que cresceu e os desafios e dificuldades da vida adulta, os diversos e nem sempre agradáveis empregos que aceitou e que lhe pagavam a custo as contas, a sua luta com álcool e drogas. Também ocupa destaque o encontro de um amor feliz e o elogio à sua companheira, um precioso suporte na sua jornada criativa e juíza implacável da sua escrita.

O livro encerra com o relato do acidente que sofreu em 1999, um atropelamento que podia ter sido fatal, e dura recuperação que se lhe seguiu, além de uma lista de livros seus favoritos. Antes disso, vêm páginas que contêm informação útil sobre as "ferramentas da escrita" e o processo de escrita: Stephen King desvenda o método usado para escrever as suas histórias. A sua técnica é exposta sem subterfúgios, simples e concisamente, com alguns exemplos elucidativos, agradável de ler até por quem não tenha quaisquer aspirações a escrever e apenas conhecer o segredo do seu sucesso. Ele próprio afirma que não queria ter escrito um livro que o deixasse com a "sensação de charlatanismo literário ou tolice transcendental".

Retirei algumas notas da lição de Stephen King para quem se quiser inspirar a segui-lhe as pisadas!

Mas antes disso, algumas citações do mestre do terror:

"Escrever é humano, editar é divino."

"Não existe um depósito de ideias, uma central de histórias nem uma ilha de best-sellers enterrados; as ideias para boas histórias parecem vir, quase literalmente, de lugar nenhum, navegando até si directamente do vazio do céu: duas ideias que, até então, não tinham qualquer relação, se juntam e viram algo novo sob o sol. Seu trabalho não é encontrar essas ideias, mas reconhecê-las quando aparecem."

"Se você quer ser escritor, existem duas coisas a fazer, acima de todas as outras: ler muito e escrever
muito. Que eu saiba, não há como fugir dessas duas coisas, não há atalho".


1. Para escrever bem é preciso ter as ferramentas da escrita bem arrumadas e saber como usá-las.

Vocabulário - Gramática - Estilo

Para Stephen King importa mais saber usar o vocabulário que se tem do que a variedade. Enfeitar vocabulário é uma péssima ideia. Há que usar a palavra mais interessante e adequada. A mais próxima daquilo que queremos dizer. Não raramente a primeira que nos ocorre será a mais certa.

Ou absorvemos os princípios gramaticais da nossa língua nativa por meio de conversação e leitura, ou não. Podemos fazer uma revisão da matéria, mas o mais certo é já termos a ferramenta. Os essenciais são os substantivos (sujeitos) e os verbos, as duas classes indispensáveis na escrita. Sem uma delas, nenhum grupo de palavras pode ser uma oração. Podemos quebrar as regras mas com cuidado. Devemos evitar a voz passiva: “o escritor jogou a corda”, não “a corda foi jogada pelo escritor”. S.K. diz com a voz passiva, o autor, em geral, demonstra medo de não ser levado a sério. Devemos ainda fugir do uso de advérbios pois podem indicar medo de não nos conseguirmos expressar com clareza, de não conseguirmos passar a mensagem. Também não devemos temperar os verbos dicendi com advérbios: se se contar bem a história basta usar “disse ele”, o leitor vai saber como ele disse: rápido ou devagar, com alegria ou tristeza, etc.

Acerca do Estilo, em prosa expositiva, King diz que os parágrafos podem (e devem) ser organizados e utilitários. O parágrafo expositivo ideal contém uma frase síntese seguida por outras frases que explicam ou ampliam a primeira. Na ficção, o parágrafo é menos estruturado — "é a batida, não a melodia". Quanto mais ficção lermos e escrevermos mais os parágrafos se formarão por si mesmos. É melhor não pensar demais sobre o início e o fim dos parágrafos, o truque é deixar a natureza seguir seu curso. No final há sempre a possibilidade de reescrever.

2. Não basta ter as ferramentas. Têm de ser muito usadas, i.e, é preciso ler muito e escrever muito

A leitura é importante pois cria intimidade e facilidade com o processo de escrita. A leitura é o que vai permitir escrever com paixão e sem inibição.“Se não tem tempo para ler, não tem tempo nem ferramentas para escrever”, diz King.

3. O escritor deve ter um espaço onde escrever e um tempo definido para a escrita

Para quem começa é melhor estabelecer uma meta baixa. Stephen King sugere mil palavras por dia,  e, "porque se sente generoso", um dia de folga por semana, pelo menos no início. Sem concluir o trabalho é melhor não deixar a mesa. É aconselhável eliminar todas as distracções possíveis. O espaço não precisa de ser luxuoso.

4. Escrever sobre o quê?

É natural que um fã de histórias de mistério vá querer escrever livros de mistério. Errado será mudar isso para impressionar terceiros ou voltar-se para algum género ou tipo de ficção para ganhar dinheiro. "Escreva o que quiser, depois encharque a história de vida e a torne única, acrescentando seu conhecimento pessoal e intransferível do mundo, da amizade, do amor, do sexo e do trabalho.", escreve King.

5. Como escrever

Narração - Descrição - Diálogo

Stephen King diz ter esta crença básica sobre a criação de histórias: elas praticamente fazem-se sozinhas. O trabalho do escritor é dar-lhes um lugar para crescer, e transcrevê-las. Também se lhes refere como sendo "fósseis" que o escritor desenterra com cuidado. Uma história divide-se em três partes: a narração, que leva a história do ponto A para o ponto B e, por fim, até o ponto Z; a descrição, que cria uma realidade sensorial para o leitor; e diálogo, que dá vida aos personagens através do discurso.

King rejeita o enredo.  Diz que à semelhança da vida, sem um enredo por muitas precauções e planos que possamos fazer, as histórias são criações, logo são espontâneas e isso é incompatível com a construção de uma trama. A trama é anti-criativa. Uma história que nasça daí está propensa a ser artificial.

King diz usar a intuição porque os livros se baseiam em situações mais do que em histórias. Coloca um grupo de personagens (talvez um par, talvez só um) numa situação desagradável e depois é ver como as personagens se libertam: "Meu trabalho não é ajudá-los a encontrar uma saída, ou manipulá-los para que fiquem a salvo — esses são trabalhos que exigem a barulhenta perfuratriz do enredo —, mas sim acompanhar o que acontece e depois colocar no papel."
Para mim, esta é uma das passagens mais interessantes do livrinho:

A situação vem primeiro. Os personagens — sempre rasos e sem características, no início —
vêm depois. Quando essas coisas se fixam em minha mente, começo a narrar. Geralmente tenho
uma ideia do possível final, mas nunca pedi a um grupo de personagens que fizessem as coisas do
meu jeito. Pelo contrário, quero que façam as coisas do jeito deles. Algumas vezes, o final é o que
visualizei. Na maioria dos casos, porém, é algo que eu jamais esperava. Para um autor de
suspense, isso é algo fantástico. Não sou, no fim das contas, apenas o criador do romance, sou
também o primeiro leitor. E se eu não sou capaz de adivinhar com exatidão como a situação vai
se desenrolar, mesmo com meu conhecimento antecipado dos eventos, tenho certeza de que
consigo manter o leitor em um estado de leitura ansiosa. E por que se preocupar com o final?
Para que ser tão controlador? Mais cedo ou mais tarde, todas as histórias chegam a algum lugar.Uma situação suficientemente robusta torna toda a questão do enredo irrelevante, o que acho
óptimo. Geralmente, as situações mais interessantes podem ser expressas como uma pergunta do
tipo “e se”: E se um policial em uma cidade remota de Nevada fosse possuído e começasse a matar quem aparecesse pela frente? (Desespero)


A descrição é o que transforma o leitor num participante sensorial da história. Uma descrição pobre confunde o leitor e não revela o suficiente. Se exagerada, enterra-o em detalhes e imagens. A boa descrição é uma habilidade que se aprende justamente a ler e a escrever muito. "Não é apenas uma questão de como fazer, mas também de quanto fazer. A leitura vai ajudar você a saber quanto, e só resmas e resmas de escrita vão ajudar com o como. Só vai aprender fazendo.", diz King.

Escrever um bom diálogo vem com a prática. A chave para escrever bons diálogos é a honestidade com as palavras que se coloca na boca dos personagens. King diz que isto também vale para a construção de personagens ficcionais. O trabalho resume-se, pois, a duas coisas: "prestar atenção ao comportamento das pessoas reais à nossa volta e dizer a verdade sobre o que vemos".

6. O simbolismo existe para adornar e enriquecer uma história, não para criar uma sensação de profundidade artificial.

7. A primeira versão deve ser escrita sem ajuda (ou interferência) de ninguém. Querer mostrar o manuscrito porque se está orgulhoso  ou porque se tem dúvidas é normal mas é coisa a que se deve  resistir. Deve manter-se a pressão da esperança de sucesso ou medo do fracasso até ao fim.

8. Deve ser  feito um intervalo de seis semanas depois de terminar o manuscrito para depois ler e corrigir. Durante essa leitura, concentre-se na história e em problemas relacionados com as ferramentas e faça aquilo que Stephen King chama "as grandes perguntas:

"A história é coerente? Se for, o que vai transformar coerência em música? Quais são os elementos
recorrentes? Eles entrelaçam-se e formam um tema? Em outras palavras, eu pergunto-me: “Do que se trata, Stevie?” Também me pergunto: “O que posso fazer para tornar estas questões
fundamentais ainda mais claras?” O que quero, acima de tudo, é ressonância, algo que vai permanecer por mais algum tempo na mente (e no coração) do "leitor constante" depois que ele fechar o livro e colocá-lo de volta na estante."


9. A fórmula para reescrever uma história:  2ª versão = 1ª versão – 10%.  "O que a Fórmula me ensinou é que todas as histórias e todos os romances são, até certo ponto, reduzíveis. Se não conseguir tirar dez por cento do texto sem perder a história e o sabor, não se esforçou o bastante."

10. Sobre o pano de fundo o escritor diz: "a) toda a gente tem uma história, e b) a maior parte dela não é muito interessante. Concentre-se nas partes que são interessantes e não se deixe levar pelo resto.

11. Se algumas partes de sua história tratam de coisas sobre as quais sabe muito pouco ou nada, lembre-se sempre do pano de fundo dos acontecimentos. É lá que a pesquisa deve ficar: tão no fundo quanto possível, misturada ao máximo no contexto.  A história sempre vem em primeiro lugar.

12. King tem dúvidas sobre o valor dos cursos de escrita criativa, mas não é totalmente contra eles. "As discussões levantadas em cursos de escrita podem ser muito divertidas e intelectualmente estimulantes, mas costumam ficar bem distantes do laborioso ofício de escrever."



Comentários

Valerie-Jael disse…
Stephen King is a formidable author. I liked his books better than the films. Thanks for visiting my blog, nice to meet you! Hugs, Valerie
Inês Pereira disse…
Tenho muita curiosidade sobre este livro e não percebo como ainda não temos uma versão em português. Depois de ler o teu texto, a minha curiosidade disparou e acho que não vou esperar pela tradução! :)

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