Eduardo Beauté: a beleza está nos olhos de quem vê



Não sei se me posso considerar uma pessoa desinformada por desconhecer a história de Eduardo Beauté. Na internet parece que toda a gente o conhecia muito bem. Eu apenas sabia que era um cabeleireiro maricas de Lisboa que penteava gente rica. Não, não costumo chamar "maricas" aos homens gays. Deu-me hoje para empregar o termo, quem sabe em jeito de engodo para cativar alguns leitores homofóbicos que por aí andem. Fui na onda daquele estereótipo do "cabeleireiro maricas", e que a mim sempre me pareceu estranho desde que me lembro. E porquê? Porque o meu pai era cabeleireiro e não era maricas.

Puxando pela memória lembrava-me vagamente de uma fotografia do cabeleireiro Beauté com uma menina vestida de pom-pom cor-de-rosa nos Globos de Ouro. Sabia quem era o modelo Luís Borges, um tipo alto, de cabelo à espanador, mas não sabia que tinham dado o nó. Hoje, depois de tanta fotografia que vi na internet, só posso concluir que não sou deste mundo. Ou, talvez apenas não seja do tal mundo cor-de-rosa, nem tenha pelo mesmo qualquer fascínio: é que todo este carrossel de mediatismo em torno dos dois me passou ao lado apesar de já durar há anos.

Quando alguém me disse que o Eduardo Beauté tinha morrido, não dei mais atenção à sua morte do que à de qualquer outro desconhecido. E não perderia o meu tempo com isso não fosse ter começado a ler comentários bárbaros a cada vez que os sites de notícias divulgavam mais um pseudo-facto para alimentar o interesse na morte da celebridade: era um suicídio que depois deixou de ser, mas que ainda pode ser qualquer coisa esquisita, aguardem lá, tenham esperança;  o que esta famosa disse ali,  ou o que aquela socialite não fez e devia ter feito acolá.  Na vã esperança de manter o interesse dos leitores vivo enquanto o corpo do desditoso esfriava,  os sites "informativos" procuravam qualquer pretexto para repetir as mesmas linhas velhas de novidade. E as crianças, sobretudo as crianças.  As crianças andavam de título em título, e toda a gente parecia muito preocupada com as crianças, desconfio que até pessoas que nunca se interessariam por elas se não tivessem sido adoptadas. E eu a zeros.

Tirei-me de mais trabalhos e fui visitar o perfil do Eduardo Ferreira no Facebook, descobrindo até que nasceu na Marinha Grande, onde abriu o primeiro salão de cabeleireiro, uma cidade que vim a conhecer muito bem nos últimos anos. Ora, tendo até escolhido a mesma profissão que o meu pai escolheu, estavam reunidos alguns motivos de interesse para tentar conhecer melhor este traste (13 pessoas concordam) que teria adoptado crianças  - uma coisa de quem só tem faltinha na mioleira, ou interesses - para garantir a sua quota de fama na imprensa cor-de-rosa; um homem que só queria "protaginismo", um que dá cabo da vida de seres humanos, uma criatura diabólica (11 pessoas concordam). E eu que achava que ele era apenas um mariconço de um cabeleireiro lá da capital! A crer nestes comentários, - alguns recentes, outros já antigos -  afinal o Beauté era o mal encarnado em pessoa, um instrumento do Diabo.  Até me admirava como é que ainda não estava atrás das grades. Deveria regozijar-me, pois, pelo facto de ter morrido precocemente: seria Deus a fazer justiça, talvez me dissessem estas pessoas se tivesse entabulado qualquer fala com elas.

Beauté e as crianças - Fotos Facebook Eduardo Beauté

Propuz-me então dar uma vista de olhos no Facebook de Beauté a ver se esclarecia sobretudo esta questão: teria Beauté utilizado três anjinhos inocentes para obter fama fácil? Para sua auto-promoção? Que monstro seria!  Hoje partilho uma ínfima parte do que encontrei. Fui surpreendida, fiquei até comovida, pelo carácter deste homem. Lamento que existam seres que se consideram humanos mas que não conseguem respeitar quem tão bem parecem (des)conhecer. Lamento a pouca sorte que teve. Pese embora a sua excentricidade, ou estilo de vida, ou forma como se expôs e aos seus nas redes sociais - não considero aqui a sua orientação sexual, pois em nada o achei mais exibicionista que um hetero, sempre assumindo uma postura discreta -  que podem não agradar a todos, eu própria teria salvaguardado a minha esfera pessoal,  é uma acusação muito mesquinha dizer que Beauté apenas se serviu das crianças para  promover a homossexualidade ou que as usava como "peças decorativas", conforme alguns comentários que li.  O pior cego não é o que não quer ver. É o que inventa a realidade que mais lhe convém.

Georgina, Ronaldo e os filhos:
estará Ronaldo a usar as crianças como peças decorativas?
Eduardo Beauté já se tinha realizado como profissional mas ansiava ser um bem sucedido homem de família: é um desejo comum a muitos homens. Todavia, no plano familiar, por duas vezes viu o seu sonho de uma família desmoronar-se.  Sofreu com isso, em jovem e depois, já maduro, primeiro porque a doença não poupa ninguém e, depois,  porque nenhum relacionamento tem garantia de durar para sempre. Instável e sofrendo de justificável depressão, procurou auxílio médico para se refazer emocionalmente. Estava prestes a abrir um novo salão (que efectivamente foi aberto pelos sócios apesar da sua morte) e a lançar novos projectos. E mais do que nunca os seus filhos seriam a razão do seu viver. Teria seguido com a sua vida se a morte o não tivesse surpreendido.

Não duvido do amor incondicional que dedicou às crianças - e era apenas esta dúvida que movia a minha busca -  e é de uma enorme injustiça vê-lo ser vilipendiado da maneira que mostro acima, por gente, que, tal como eu, ou desconhecia quem era Eduardo ou então é muito mal formada.  Das fotografias que observei, e do que pude ler no seu Facebook, nada faz questionar que  não tenha ponderado cada passo, medido a responsabilidade envolvida  no processo e feito tudo ao seu alcance para garantir o máximo bem estar físico e emocional destas crianças que adoptou. Quem tiver alguma curiosidade pode ver este Especial da SIC sobre o processo de adopção. Que descanse em paz e que seja encontrada uma solução para o futuro do Bernardo, da Lu e do Eduardo, que, além de se encontrarem no meio de uma encruzilhada legal, percebo agora, sofreram uma enorme perda.

Em 2008 o Eduardo "Beauté" Ferreira começa  publicar no Facebook. Eis duas fotografias de uma Gala onde ele penteou as modelos que desfilaram. A Luisa Matias escreve:  Estou sem palavras. O "Eduardo Mãos de Tesoura" é um artista incomparável. Este País tem muitos cabeleireiros e cabeleireiras, mas contam-se pelos dedos de uma só mão aqueles que têm realmente valor. Adorava entregar a minha cabeça de bandeja para você transformar os meus pobres cabelos numa cabeleira digna de uma estrela de Hollywood. Parabéns! "

 Fotos Facebook Eduardo Beauté

Nesse ano inaugura o Espaço Beauté na avenida da Liberdade, em Lisboa. As fotografias que publicou mostram um espaço requintado. As figuras públicas começaram a ter preferência pelos seus serviços e rapidamente Eduardo Beauté se tornou no "cabeleireiro dos famosos". Estas personalidades eram um veículo de publicidade para os seus trabalhos e a sua fama cresceu.  Sobre isso Eduardo disse, em entrevista, que existem colegas na profissão tão bons quanto ele mas que ele teve a sorte de obter esta preferência que lhe garantiu uma enorme visibilidade.

Fotos Facebook Eduardo Beauté
Em 2010 Eduardo partilha a página do Afro Boy ( Luís Borges) e pede aos amigos que adicionem. Por coincidência, Luís também tinha sido abandonado em criança, pela mãe, no quarto de uma pensão. Estariam juntos há dois anos e meio, quando, Eduardo, com 44 anos, e Luís, com 23, oficializam a sua relação em 2011. Eduardo foi pedido em casamento por Luís a 14 de Fevereiro de 2010.


O casal separou-se em Setembro de 2016, após oito anos juntos, cinco dos quais casados. O cabeleireiro e o manequim conheceram Bernardo, que tem Síndrome de Down (Trissomia 21), um mês antes do casamento. Eduardo Beauté foi abordado por uma tia da criança e depois pela  mãe biológica, que não tinha condições para criar mais um filho, especialmente Bernardo, com necessidades especiais, estando o progenitor a cumprir pena, entre outras dificuldades. Eduardo e Luís tornaram-se assim responsáveis pela criança, tendo garantido que a mãe pudesse sempre acompanhar o crescimento do seu filho, através de custódia partilhada. (A história da adopção, aqui.) Depois vieram Lurdes e Eduardo.

Em Maio de 2016, Eduardo Beauté escreve assim por ocasião do aniversário da criança:

"Meu filho, meu lindo e adorado menino, hoje completas mais um ano da tua sublime existência, FELIZ ANIVERSÁRIO MEU AMOR e quando tu vieste parar aos meus braços, eu tive a certeza que havia tomado de empréstimo um anjo do céu, e à medida que vou assistindo ao teu crescimento, tenho cada vez mais a certeza disso. Tu és um anjo que Deus tão generosamente me mandou para eu cuidar, e não duvido que todos os outros anjos que te conheceram lá no céu, antes de vires para a terra, devam sentir muitas saudades tuas e são eles que todos os dias me ajudam a cuidar de ti. Essa ideia, por muito que possa ser uma fantasia, conforta-me o coração porque eu estarei sempre ao teu lado e sei que tu também estarás. EU AMO-TE MUITO."

Posteriormente, Eduardo Beauté publicou no Facebook, em 2013, a primeira fotografia da filha, Lurdes, de 17 meses.  A menina guineense veio juntar-se a Bernardo, já com três anos. Escreve assim:

"Decidimos partilhar pela primeira vez a foto da Lu ainda com três meses e também pela primeira vez uma do Bernardo com poucos meses, quando ainda nem o conhecíamos porque existe um enorme número de comentários nas redes sociais e muitos manifestam com muita deselegância e até ofensivos o desagrado porque eu e o Luís adoptámos com muita facilidade só porque somos famosos e gays e os "casais normais" como se referem, têm de esperar muitos anos para o conseguir. Se esses mesmos casais não se importarem de adoptar crianças especiais como o Bernardo ou ir a África e trazer uma criança de raça negra, que muitas estão a passar fome e na maior parte das vezes nem instituições existem para as acolher. Pois lhes garanto que qualquer pessoa consegue em pouco tempo ter um desses meninos e nem faz diferença se é solteiro, gay ou hetero, só precisa de ter espaço no seu coração para aceitar estas crianças em que na grande maioria são rejeitadas. Aproveito também para lhe informar que na Guiné, país de origem da nossa filha Lurdes, os tribunais não sabem quem nós somos, por isso a nossa fama não influenciou em nada e para além do processo já se arrastar há mais de um ano, desde que ela tinha três meses e só depois de o tribunal ter tomado a decisão de que a menina iria ter uma vida mais digna como qualquer ser humano merece é que partilhamos publicamente esta nossa alegria. Beijos e abraços..."

Eduardo, de dois meses, vem depois  juntar-se a Bernardo, já com quatro anos, e Lurdes, de três, em 2015.  Eduardo Beauté escreve assim:

"Eu e o Luís temos 2 filhos e vamos a “caminho” do terceiro”. Agora, vem aí o Eduardo que nasceu no passado dia 4 de Novembro. Vai fazer 3 meses. Eduardo nasceu na Instituição na qual fui buscar a Lu. Ligaram-me no dia em que ele nasceu dizendo que tinha nascido uma rapazinho lindo e como forma de me mostrarem o quanto estavam agradecidos pela vida e saúde da Lurdes, iriam baptizá-lo como o meu nome. Fiquei emocionado. Passou-se uma semana ligaram-me novamente: o pequeno Eduardo tinha sido internado com graves problemas de saúde e não sabiam como seria a sua vida dali para a frente. Depois do choque, recompus-me e pedi que me deixassem apadrinhá-lo. Consegui, graças a Deus, cuidar deste bebé de longe e poder de alguma forma contribuir para a sua VIDA. Passaram se 3 semanas e o pequeno Eduardo voltou para a Aldeia (Instituição). O Líder ligou-me novamente e disse-me que o menino estava estável e que esperava agora que ele tivesse a mesma sorte que a Lu, já que iria ficar ali com eles até aparecer alguém que o quisesse, adoptasse, o enchesse de amor. Não hesitei e no mesmo segundo respondi: “ O Eduardo já tem a mesma sorte que a Lu e o Bernardo, porque nós queremos adoptar o Eduardo!”. E assim estamos: à espera de o poder trazer”.

O cabeleireiro mostrou-se triste e indignado por ainda estar a ser discutida na Assembleia da República a questão da adopção de crianças por parte de casais do mesmo sexo:

“Ainda se coloca em questão a possibilidade de se legalizar, em plena Assembleia da República, a adopção por parte de casais do mesmo sexo. Em Portugal, e cada vez mais nos tornamos rapidamente numa excepção, uma família só é considerada legal e normal se tiver um Pai e uma Mãe. Existem mentalidades que ainda não conseguem aceitar a ideia de Família e Amor como algo Universal, independente de quantos Pais ou quantas Mães tiver. Pelos vistos na nossa Assembleia todos têm famílias ditas “normais” e são todos amados e amam pessoas do sexo oposto. Ainda vou mais longe… Pelos vistos quem manda nas nossas leis, quem faz com que o nosso País progrida e se desenvolva, não tem o Amor como algo que acontece entre Seres de uma mesma espécie, independente de sexo, cor, escolhas, orientações. Que País é este em que eu vivo e trago os meus filhos para viver? País que ainda o escrevo e descrevo com letra grande, pois ainda acredito estar embrulhado num pesadelo e amanhã será tudo mentira. Que País é este no qual os MEUS filhos não podem ter o meu nome? Que País é este no qual eu não posso ser um PAI?”.

Eduardo Beauté afirma em entrevista, quando questionado sobre se tinha ficado assustado por adoptar três crianças sabendo que o Luís, devido à sua carreira enquanto modelo internacional, não teria um papel tão presente:

"Assustar nunca assustou, porque mesmo sozinho sempre me senti preparado. Mesmo não tendo casado, se me tivessem aparecido estas crianças eu teria adotado. Mesmo que não tivesse casado e não tivesse a relação que tive com o Luís, elas teriam vindo na mesma, não teria hesitado em momento algum. Obviamente que quando se constrói um conceito de família entre duas pessoas, ou seja há um casamento e filhos, e depois há uma dessas pessoas que se torna mais ausente, que não tem tanta disponibilidade ou que dá prioridade a outras coisas, que também são importantes para a vida dessa pessoa, para a vida do Luís neste caso, sentimos que estamos a perder um elemento daquele núcleo familiar, mesmo sabendo que era por uma boa razão e que me deixava a mim feliz também, sabendo que ele se estava a realizar a nível pessoal e profissional, nós não lidámos muito bem com isso. Foi aí que eu me culpabilizei sem ter culpa nenhuma, mas culpabilizei-me. Foi um disparate, mas são coisas da nossa cabeça que, às vezes, interiorizamos e não sabemos lidar com elas depois."

Eduardo garante que após a separação, não se sente sozinho na educação das crianças:

"Não, não! Até porque o Luís tenta estar próximo das crianças também e isso deixa-me feliz. Elas preenchem a minha vida e enchem a casa. Desde o momento em que eu chego do trabalho estamos sempre os quatro juntos. Janto sempre com eles, faço questão de estarmos em família, é tudo tão intenso, representa tanta alegria e tanto amor, que não consigo sentir em momento algum esse vazio."

Questionado sobre se achava que as críticas em relação à adopção existiam em maior número por se tratar de um casal homossexual que tinha adoptado três crianças, Eduardo responde:

"Sim, claro que sim. Claro que existe o preconceito, mas não existe em demasia. Dizem que somos um dos países mais atrasados da Europa e não estamos ao nível de um país de primeiro mundo, mas eu não concordo. Sou tão acarinhado, tão bem recebido e bem tratado, e os meus filhos, inclusive. Obviamente que existe o preconceito, mas não é só aqui em Portugal, existe em todo o lado. Aqui, sinto que se tivesse sido um pai hetero, mesmo que divorciado da sua mulher, a levar a sua filha aos Globos de Ouro, isto usando ainda como exemplo os Globos, não teria havido algumas reações como houve. Claro que disseram: "Olha para aquele maricas, como ele está a educar a criança, já está a fazer dela, com aquela idade, um pavãozinho", ou "Não se leva uma criança de seis anos vestida de princesa a uma gala", porque é o Eduardo Beauté, que casou com outro rapaz e tem três filhos adotados. Se fosse nos Globos de Ouro da América aí já nada fica mal, é fantástico porque são os filhos das atrizes. Lá está, são as mentes limitadas, mas as mentes limitadas e deslumbradas não existem só aqui, elas existem em todo o lado. Imagine o que seria eu ter uma filha como a Angelina Jolie e o Brad Pitt, uma miúda que se assume com um rapaz, iam dizer que era por ser um casal homossexual e que por ela gostar de se vestir de menino já tem tendências homossexuais."


Sobre a ida aos Globos de Ouro acompanhado pela filha, - aqui está a foto de que me lembrava - escreveu assim no Facebook:

"A minha filha Lu há muito que me pedia para ir a uma noite onde as meninas e senhoras se vestissem de princesas. Pois nada melhor que a levar à noite mais glamorosa do ano, os Globos de Ouro. Obviamente que pela idade só assistiu á primeira parte do evento, mas sem dúvida que era a menina mais bonita do evento com uma criação do amigo é um promissor criador de Portugal. Muito obrigado David Ferreira pelo fantástico trabalho que executaste para a minha filha. Este trabalho é Haute Couture Júnior. Muito obrigado."

Guilherme Leite, actor e humorista, (!!!) partilhou nas redes sociais uma fotografia do cabeleireiro com Lurdes e escreveu na legenda: "Ao cuidado da Comissão de Proteção de Menores". 

Eduardo Beauté foi pai aos 19 anos mas o bebé, Rúben Eduardo, não resistiu a uma doença pulmonar e faleceu com seis meses de idade. A mãe, que terá abandonado o filho aos cuidados de Eduardo, também já faleceu. Escreve assim sobre aquela perda, um assunto muito presente em várias páginas do seu Facebook:

“Hoje, dia 27 de Novembro, seria o dia de aniversário do meu filho biológico, o meu Rúben Eduardo. Mas num triste dia e na adversidade da vida, recebo a triste notícia de que Deus passou a tomar conta do meu filho e que de fato essa tragédia acontecera comigo”. A dor de não poder mais ouvir o meu filho, nem vê-lo sorrir, nem senti-lo a abraçar- me, nem poder colocá-lo no meu colo para o embalar, levá-lo para passear, enfim, não aconteceria mais. Eu não conseguia ficar em pé diante da dor que me parecia consumir e nem mesmo sequer ouvir o que as pessoas para me consolarem naquele momento me queriam dizer. Restáva-me apenas segurar a roupa do meu pequeno princepe junto ao meu rosto, como que em dado momento o substituísse, e chorar deitado na minha cama, pois uma parte de mim também tinha partido com ele. Mas como o Senhor não nos abandona nunca, eis que anos mais tarde três Anjos vieram ao meu encontro, Bernardo, Lurdes e Eduardo. "


Em 2016, a capa da Caras revela o passado difícil de Eduardo Beauté: uma adolescência difícil na Marinha Grande, onde foi vítima de violência física e verbal por ser diferente, as dificuldades financeiras que a mãe atravessou, depois da separação, para criar três filhos sozinha, a relação nada calorosa com o pai, que se suicidou em 2010, os namoros com mulheres antes da descoberta da sua homossexualidade, a morte do filho biológico com apenas 6 meses de vida, depois a morte da mãe deste, os altos e baixos na relação de sete anos com Luís Borges.

Facebook Manuel Vilarinho Pires
Um dos testemunhos mais críticos acerca destas reacções bandalhas nas redes sociais foi o de Manuel Vilarinho Pires, que a 11 de Setembro publicou:

"O Eduardo Beauté era amigo da minha mulher desde miúdo cabeleireiro. Cresceu numa família muito modesta, que o pai abandonou quando ele era criança e por isso teve que ir trabalhar na idade em que os outros estudavam. Mas era trabalhador, bem formado e talentoso e graças a isso conseguiu triunfar profissionalmente. Quando teve condições materiais para isso decidiu tirar crianças da miséria adoptando-as, e foi buscar ao fundo as condenadas a nunca serem adoptadas, incluindo uma com trissomia 21. Apesar de ser casado teve que as adoptar em nome individual por ser proibida a adopção por casais homossexuais por uma lei que prefere manter as crianças nos orfanatos em nome da defesa dos valores da família, e o cônjuge de quem entretanto se divorciou não tem poderes parentais sobre elas. Depois de morto é caricaturado pelo activismo homofóbico para ganhar uns pontos como um exemplo de frivolidade que usou as crianças para se promover socialmente. Um cristão diria que lhe atire a primeira pedra quem já adoptou crianças mongolóides, mas os valores do ódio homofóbico não são os do cristianismo nem da defesa da família, são os do ódio à diferença. Vale tudo." 


Eduardo "Beauté" Ferreira faleceu a 7 de Setembro, com 52 anos. A beleza está nos olhos de quem vê.

Comentários

cantinhodacasa disse…
Obrigada pelo que aqui escreveu.
Não costumo ir ao FB para ler o que quer que seja, porque odeio comentários gratuitos e racistas.
E fiquei a saber mais de Eduardo Beauté.
Ora essa! Nada a agradecer. Não suporto injustiças de nenhum tipo e, em especial, as que se fundam em intolerância e preconceito. Ninguém é perfeito, estou certa que este homem terá cometido erros. Mas a sua dedicação às crianças pareceu-me inequívoca. Gente maldosa, é o que é. Já devia estar habituada mas afecta-me sempre.
redonda disse…
Muito bem escrito e o que penso também
redonda disse…
Estive a pensar numa forma de se conseguir que os do Sapo possam comentar, criar outro blogue no sapo e é até possível conseguir uma cópia do seu blogue para continuar lá - eu tinha uma dona-redonda sapo parada que resolvi ressuscitar - como a dona resonda blogspot é muito extensa não deu para a transpor mas consegui fazê-lo com dois blogues mais pequenos
Olá! Não sabia que se podia migrar para o Sapo! Tenho lá um antigo, que está vazio, fui procurá-lo ontem, já nem me lembrava dele. Por um lado seria uma hipótese a explorar, passar para lá ou até começar lá um. Vou pensar nisso! Para já,fica assim. Recebo as notificações aos comentários que faço nos Sapos no meu correio: menos mal. Mas seria interessante pois a verdade é que os meus seguidores iniciais deixaram de estar aqui, alguns até já morreram, e no Sapo parece haver muito maior dinâmica. No entanto, também pode apenas ser motivada pelo Desafio. Irei com calma. ;)
Flora Rodrigues disse…
OLá cheguei aqui pelo Blog do (In)sensato. As pessoas são pela sua natureza ignorantes e más. E nas redes sociais todos se acham juízes protegidos pela Tela. Na sequência de um trabalho que desenvolvia com os meus alunos contactei o Eduardo Beauté, o assunto era relacionado com a adopção das crianças. Ele respondeu-me prontamente com uma educação já rara e negou a colaboração pretendida justificando-a perfeitamente ( não me devia explicações)- Ele tinha um aafecto genuíno pelas crianças e infelizmente as pessoas são más. Enquanto ele era um abelireiro famoso para dar borlas aos VIPs era muito bom. Depois já era muito mau. Fiquei chocada com a notícia pois tinha-me cruzado com ele dias antes. No blog do Insensato assino como Alfa.
Ossapossabembeijar? disse…
Muito bem ... completo
Não sou homo e não tenho nada de homobófico
Há de tudo como na fármacia
Bjinhos
Ao Sr. Pedro Lopes: o seu comentário foi eliminado não porque se tenha referido a Portugal como "o pior colonizador do mundo", já que compreendo que possa ter essa opinião, mas porque o seu blogue é, todo ele, um manifesto anti-Portugal que não subscrevo. Já é a terceira vez que aqui deixam links para esse tipo de conteúdo. Podem desistir pois não publicarei os vossos comentários. Se quiser divulgar a história colonial do país, com rigor e sensatez, os erros e injustiças cometidos, o reflexo actual dessa colonização, etc, até lhe ofereço o meu blogue. Se quer ser panfletário, escusa de me vir bater à porta. O colonialismo existiu com tudo o de exploração que trouxe. Marcou uma época no mundo. Não deve ser negado. Mas também de nada adianta estar a promover o ódio a Portugal como base no colonialismo. Quer viver no passado ou agarrar o futuro? Uma vez que me pareceu ser de Moçambique, lembro que Portugal, o pior país do mundo, essa merda a que se refere, se mobilizou de norte a sul para enviar ajuda aquando do furacão IDAI. Até neste blogue encontra um apelo a essa mobilização. Às tantas deve até achar que era a nossa obrigação. Pois bem: não faltam em Portugal pessoas necessitadas. Mas o português, que tantos problemas tem, conforme disse, ainda assim consegue ver além do seu umbigo. E se julga que é por ter alguma questão de consciência está muito enganado. Pois um dos problemas dos portugueses é não ligaram nadinha ao seu passado histórico. Nem se orgulham nem têm vergonha: desconhecem-no, na sua maioria, o que é até bastante triste, a meu ver. São solidários com o sofrimento de pessoas que falam a mesma língua e que viram a desgraça abater-se sobre elas. É evidente que o sr. não seria capaz de solidariedade alguma, fico assim avisada, e espero não ter de precisar de si. Mas também acredito que nem todos os moçambicanos são como o sr. Pedro Lopes, mais ocupados que estão em construir o seu país do que encontrar desculpas esfarrapadas no passado para desculpar a sua inépcia.