Livro Os 100 segredos das pessoas felizes, de David Niven

O livro Os 100 segredos das pessoas felizes pode ser adquirido online, na WOOK.

David Niven. Só conhecia um: o actor! Mas existe outro David Niven igualmente famoso: é psicólogo, investigador de ciências sociais, e autor de uma série de populares livros: "Os 100 segredos simples". Encontrou um filão: escreveu livros sobre os segredos das famílias e casais felizes, das pessoas saudáveis e de sucesso, e até segredos sobre o porque nos fazem mais felizes os cães. Calhou passar-me pelas mãos Os 100 segredos das pessoas felizes (The 100 Simple Secrets of Happy People: What Scientists Have Learned and How You Can Use It). Estava esquecido na mesa de uma esplanada onde me sentei para tomar café. Comecei a lê-lo. Evidentemente que os "segredos" não são eram segredo para ninguém. São, na maioria, indicações sobre modos de encarar a vida, conselhos comuns que tendemos a não associar à obtenção de felicidade de forma imediata mas que, de facto, podem concorrer para ela, coisas tão simples como: "Não se esqueça de se divertir",  "Exercite-se", "Ria",  "Tenha uma boa noite de sono",  "Leia sempre", "O modo como vê o mundo é mais importante do que a forma como o mundo realmente é". Quando paguei a bica perguntei se o podia levar comigo, que o devolveria no dia seguinte. O dono do estaminé não queria saber do livro para nada, nem sabia que estava lá, sobre a mesa. Referi que devia ser de algum cliente. Encolheu os ombros mesmo assim. Li-o, tirei umas notas, e daí a um dia voltei a deixá-lo no mesmo sítio onde o tinha encontrado.

Confesso que nunca fui vista na secção dos livros de auto-ajuda de qualquer livraria. Não é por recear que me vejam como uma criatura patética, pois é assim que são vistas aquelas pessoas que rondam esses escaparates. Todavia, creio que esses leitores estão apenas tentando saber mais do que aquilo que sabem para fazer mais e melhor com as suas vidas e isso não devia, na verdade, ser motivo de mofa por terceiros, certamente muito seguros de si e satisfeitos com o seu desempenho em todo o espectro da sua existência. Na realidade, nunca achei que esses livros pudessem fazer algo por mim. Não sei sequer se beneficiaria ou não das suas dicas. Não lhes reconheço qualquer poder de orientação, de alívio ou de cura, ao contrário de Aristóteles que  acreditava que a leitura sarava. A minha falta de fé nesses livros seria, logo, à partida, um óbice para que surtissem algum efeito. Não sei de onde veio o preconceito, talvez seja um caso notório de emprenhamento pelos ouvidos já que nunca li livros de auto-ajuda. Mas é por demais evidente que há mercado para estas obras e parece que David Niven tem parte dele na mão. Sei que não estou só nesta minha descrença, mas não sei ao certo se estou a ser apenas ingrata para com estes escritores ou se haverá um fundamento na repulsa que tantos nutrem por este tipo de publicações.

Estes títulos distanciam-se do aclamado e intemporal How to Win Friends and Influence People, de Dale Carnegie, uma das únicas, senão a única referência de livros de desenvolvimento pessoal que conseguiria nomear se questionada. Trata-se de um conciso mas relevante livro sobre a arte do relacionamento, seja no âmbito profissional ou pessoal, escrito após a Grande Depressão. Li-o há muitos anos e achei-o prodigioso pela síntese, utilidade e honestidade. Estes livros são claramente um produto do seu tempo e vivem das ansiedades e medos da geração a que se destinam. Actualmente os níveis de bem-estar da população são, em média, maiores do que em tempos passados. Mas também é grande a insatisfação da maioria e o sentimento de deriva, desgastadas certas instituições que serviam como âncora: as redes de vizinhança, a escola, a igreja, o casamento, e até a família. Ou mesmo o Estado. Estamos todos mais sozinhos - esqueçam o abraço fátuo das redes sociais que de sociais apenas têm o nome. Ou o balofo conceito da "aldeia global". As contrariedades avolumam-se. Detestamos o trabalho que fazemos, a rotina, que a tantos afasta de casa, pela manhã, para longe, todos os dias, apenas para os devolver à noite; os relacionamentos, não nos satisfazem, tornam-se cada vez mais breves e descartáveis; temos excesso de peso, excesso de desejos e sonhos, excesso de dívidas, vemos o futuro com mais incerteza que a geração dos nossos pais. Eis as areias movediças onde estes livros vão, naturalmente, lançar raízes.

Os livros de auto-ajuda não nasceram hoje, mas hoje multiplicam-se e especializam-se pelas mais diversas áreas. Tem-se a impressão ao vê-los nas livrarias que qualquer um se atira ao papel para ditar as suas dicas na área em que se julga um craque. Podem encontrar-se as origens dos livros de auto-ajuda em escritos egípcios:  os sebayt eram ensinamentos éticos formalmente focados na "maneira de viver verdadeiramente." Samuel Smiles, escocês, em 1859, escreveu Self-Help, usualmente considerado o primeiro livro deste género. "Auto-ajuda" propõe o conhecimento como um dos prazeres humanos maiores e a educação como o caminho para obter conhecimento. Um homem tinha o dever de se educar caso não tivesse tido o privilégio da educação. O livro é uma cartilha de auto-educação para os pobres: mesmo na base da escada social devem ser capazes de melhorar por si mesmos através do trabalho duro e da perseverança. O livro sublinhava a importância do carácter, da economia e da perseverança, além dos valores da civilidade, independência e individualidade. Reflectia preocupações e valores que eram centrais para os esforços da classe trabalhadora no auto-aperfeiçoamento. Publicado privadamente às custas do próprio Smiles, o Self-Help foi uma sensação inesperada: Smiles tornou-se um guru na educação e nos negócios. 

Em 1913, G.K. Chesterton, inglês, escreveu um discurso contra a popularidade dos livros que pretendiam ensinar às pessoas como ter sucesso. "São livros que mostram aos homens como ter sucesso em tudo. Eles são escritos por homens que não conseguem sequer escrever livros. Pelo menos, esperemos que todos vivamos para ver esses livros absurdos sobre o sucesso cobertos com uma zombaria adequada". Ontem, como hoje, estarão estes autores a aproveitar-se das nossas inseguranças?  Estaremos efectivamente a ser ajudados ou apenas a ajudar os autores a venderem mais um livro? O livro God is My Broker ("Deus é meu Agente"), um livro satírico escrito por Christopher Buckley e John Tierney, publicado em 1998 pela Random House, parodia os livros de auto-ajuda: "O único modo de se tornar rico com um livro de auto-ajuda é escrever um"

Em 2013 fiz um MOOC - Massive Open Online Course - intitulado The science of happiness (A ciência da felicidade). Foi um impulso, e, como tal, nada racional. Vi o anúncio da abertura do curso e fiquei curiosa. Inscrevi-me suspeitando que ia ser uma perda de tempo e que não o concluiria. Afinal foi uma boa e trabalhosa experiência. Totalmente gratuito e muito superior a formações pagas que também já fiz, mas ligadas aos meus interesses profissionais directos. Ao contrário deste livrinho que se resume a um catálogo de dicas e lições de vida sob a forma de pequenas histórias sobre como ser mais feliz e aproveitar melhor  a vida, páginas de leitura rápida e simples, com menção dos estudos onde o autor se baseou, o curso era abrangente, continha tópicos desafiantes e propunha até a leitura detalhada de resumos dos estudos científicos e relatos das experiências a que David Niven quis poupar aos leitores ao escrever os 100 segredos das pessoas felizes.

Até fazer o MOOC nunca tinha ouvido falar da psicologia positiva. Para mim, a psicologia era um campo de estudo ligado a enfermidades psicológicas, à doença mental, e não à sanidade mental. Foi a pesquisa de Martin Seligman, apenas nos anos 90, embora Abraham Maslow tivesse, antes disso, de forma intuitiva e nada metodológica, formulado algumas teorias a propósito, que provocou um alargamento do seu âmbito e lançou as bases para o estudo das emoções positivas. Seligman desviou o foco do sofrimento, dos problemas do paciente, para os factores que contribuem para o seu bem-estar. A área é tão nova que até o próprio já fez uma revisão das suas ideias iniciais defendendo antes que a felicidade é apenas um objectivo e que as pessoas são motivadas por muito mais do que apenas emoções positivas. O "pai" da psicologia positiva chegou então até a afirmar que detesta a palavra felicidade, uma vez que seu uso excessivo no mundo moderno a esvaziou de sentido.

Muitos profissionais da área das ciências têm dedicado boa parte das suas carreiras a perceber o que faz as pessoas felizes. Quando fiz o curso, mais actualizado do que o livro de Niven, publicado há cerca de 20 anos, desconhecia totalmente que a ciência - a psicologia, a neurociência, a biologia evolutiva, entre outras - se tivesse debruçado tão profundamente sobre a felicidade, que me parecia ser um tópico mais adequado ao tratamento por filósofos ou escritores. Por exemplo: Tales de Mileto defendia que é feliz quem tem corpo são e forte, boa sorte e alma bem formada. Para Sócrates, a felicidade era o bem da alma que só podia ser atingido por meio de uma conduta virtuosa e justa. Já Umberto Eco não acreditava na felicidade: "Não acredito na felicidade - estou dizendo a verdade. Acredito apenas na inquietude. Ou seja, nunca estou feliz por completo - sempre preciso fazer outra coisa. Mas admito que na vida existem felicidades que duram dez segundos ou meia hora, como quando nasceu meu primeiro filho - naquele instante, eu estava feliz. Mas são momentos muito breves. Alguém que é feliz a vida toda é um cretino. Por isso, antes de ser feliz, prefiro ser inquieto." Também já Truman Capote já tinha dito que não era uma pessoa feliz e que só os imbecis ou os idiotas são felizes.



A Declaração de Independência americana proclamou, entre os direitos invioláveis do ser humano, a busca da felicidade. Em Julho de 2011, a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução convidando os países membros a medirem a felicidade dos habitantes dos respectivos países e a usar os dados para ajudar a desenvolver as suas políticas públicas. Este ano, Portugal subiu 11 lugares no ranking da felicidade! Todos queremos ser felizes! Ou não? É bom não viver ensimesmado a um canto da vida. Quanto mais tempo o homem obteve para o ócio, tanto mais a felicidade se tornou um objectivo crucial da sua existência. O que seja a felicidade é algo subjectivo e bastante pessoal. Para muitos é ter saúde, amor, dinheiro e não se fala mais nisso. Mas há quem possua tudo isso e mesmo assim não se diga feliz. Já se sabia que ser feliz era bom mas os novos tempos - e estudos - trouxeram a ideia de que a felicidade faz bem à saúde mental e até física: uma pessoa feliz pode ser mais criativa e ter um sistema imunológico mais robusto. Então mais uma razão para procurar o caminho para a felicidade!

Li num artigo do curso que 40% da nossa felicidade está nas nossas mãos, 50% é de carga genética e apenas 10% depende das circunstâncias. Assim sendo, não temos um poder infinito sobre o modo como nos sentimos mas é bom pensar que podemos fazer alguma coisa por isso. As emoções, como a felicidade, dependem da actividade do nosso cérebro. Têm impacto a nível interno, uma sensação, e externo, um comportamento: sentimo-nos bem e expressamos esse sentir. Pode ser emocionante comprar um carro novo mas só sentimos isso como excitante porque acontece uma reacção química no nosso cérebro e corpo. Para mim foi desconcertante perceber isso, que tudo o que sentimos é produto da acção de substâncias como a endorfina, a serotonina, a dopamina e a oxitocina - por vezes referidas como "o quarteto da felicidade" -  que actuam e conduzem  a sentimentos positivos como a felicidade ou o bloqueio da dor. Por exemplo, a endorfina. "Endo"  quer sizer interno e  "Morfina"  quer dizer analgésico, essa é a génese da palavra endorfina. É uma espécie de remédio que o organismo gera contra o desânimo. As endorfinas pertencem ao grupo de neuro-moduladores  - ou seja, mensageiros químicos no cérebro -, mas são distribuídas por todo o sistema nervoso. Como agem directamente nos receptores cerebrais, os sentimentos de dor são reduzidos, de forma similar ao que ocorre com a administração da  morfina. Produzida pela glândula hipófise, é libertada pelo cérebro para a corrente sanguínea do corpo e faz com que os sinais de dor sejam inibidos e não cheguem ao cérebro. Também produz sensações agradáveis, gerando emoções como prazer e alegria. Quando a concentração no sangue é elevada, a realidade é percebida de modo positivo. Se a concentração é baixa, essa mesma realidade parecerá triste. Podemos estimular a sua libertação através da actividade física, da alimentação, envolvendo-nos em práticas agradáveis, nomeadamente de convívio social, e praticando pensamentos positivos. Por outro lado, a forma como enxergamos a realidade, algo que foi moldado desde a infância, também influi na felicidade. É o filtro através do qual vamos valorar ou dar sentido às nossas experiências e vivências. Ora, sabendo então como são produzidas aquelas substâncias e tendo consciência da nossa concepção da realidade, podemos procurar construir a felicidade mudando a nossa visão das coisas, por exemplo, de forma a que o nosso cérebro - a hipófise, no caso da endorfina - possa produzir as substâncias de que precisamos para nos sentir bem.

O curso A ciência da Felicidade durou 2 meses e esta ideia é apenas um apontamento que retirei do mesmo e que menciono a propósito do livro que encontrei na mesa de café. A popularidade destes cursos, muitas infografias e artigos que circulam na internet, e livros,  atesta o interesse que as pessoas têm sobre o tema. Aconselho os mais cépticos a lerem um pouco sobre o assunto, mas sem abandonar o pensamento crítico e seleccionando uma boa obra pois caso contrário poderão ser apenas confrontados com observações de senso comum - que irão certamente desapontar e desconsiderar -  e mandamentos autoritários, - como se fôssemos todos obrigados a marchar no exército da felicidade!
No percurso das minhas leituras sempre me questionei se não teremos também o direito a estar infelizes se tivermos motivos fundados para isso. Afinal, esta pressão para estar sempre de bem com a vida, este apelo à superação contínua, como se sem essa atitude não fôssemos seres aptos, não será uma coisa anti-natural? Não será também mais um factor de stress que ainda nos fará sentir pior se gorados os nossos esforços para alcançar a felicidade? Esta rejeição generalizada da infelicidade e do sofrimento, tal como do envelhecimento, não significará afinal que a sociedade moderna não nos deixa escolha sob pena de, também por isso, sermos estigmatizados e marginalizados?


Bobby McFerrin - Don't Worry Be Happy

Here's a little song I wrote
You might want to sing it note for note
Don't worry, be happy
In every life we have some trouble
But when you worry you make it double
Don't worry, be happy
Don't worry, be happy now

don't worry
(Ooh, ooh ooh ooh oo-ooh ooh oo-ooh) be happy
(Ooh, ooh ooh ooh oo-ooh ooh oo-ooh) don't worry, be happy
(Ooh, ooh ooh ooh oo-ooh ooh oo-ooh) don't worry
(Ooh, ooh ooh ooh oo-ooh ooh oo-ooh) be happy
(Ooh, ooh ooh ooh oo-ooh ooh oo-ooh) don't worry, be happy

Ain't got no place to lay your head
Somebody came and took your bed
Don't worry, be happy
The landlord say your rent is late
He may have to litigate
Don't worry, be happy
Oh, ooh ooh ooh oo-ooh ooh oo-ooh don't worry, be happy

Here I give you my phone number, when you worry, call me, 
I make you happy, don't worry, be happy)
Don't worry, be happy
Ain't got no cash, ain't got no style
Ain't got no gal to make you smile
Don't worry, be happy
'Cause when you worry your face will frown
And that will bring everybody down
So don't worry, be happy

Comentários

Achei este post muito interessante!

Bjxxx
Ontem é só Memória | Facebook | Instagram