História de seis palavras: escreva a sua!

 

The Six Word Project

Conta-se que Ernest Hemingway, seguro das suas capacidades,  desafiou os amigos com quem estava num restaurante a pagarem-lhe 10 dólares se ele escrevesse uma história em apenas seis palavras. O grupo não achou provável e embarcou na aposta. Ele então escreveu-a num guardanapo e ainda lhes disse que era a melhor que tinha escrito até à data. Os amigos leram e nem hesitaram em dar o dinheiro da aposta ao escritor que deve assim ter comido e bebido à pala dos comparsas.

A história que ele escreveu foi a seguinte: "For sale: baby shoes, never worn." Nunca apurei se isso aconteceu mesmo ou se é lenda. Sem dúvida que é uma boa história que sugere o que aconteceu e que deixa ao leitor o trabalho de imaginar os detalhes e com um final de truz. A pequena história desperta em nós uma profusão de emoções. O que nos conta a história? Que um casal esperava um bebé e comprou sapatos de bebé. Mas que o bebé não chegou a nascer, nunca os usou: os sapatos são novos. Por isso o casal vende os sapatos através de um anúncio, o que não deve ser fácil de fazer para eles.

Em Novembro de 2006, Larry Smith, fundador da SMITH Magazine, pegou na ideia de uma história de seis palavras mas deu-lhe um toque pessoal quando pediu à sua comunidade de leitores para descrever as suas vidas em exatamente seis palavras. Será que se pode resumir toda uma vida em apenas meia dúzia de palavras? One life. Six words. What's yours?  Foi este o desafio lançado pelo site da Smith Magazine que tem como lema " Todos temos uma história". Desde então, o projecto Six-Word Memoir deu origem a uma série de best-sellers. Centenas de milhares de pessoas compartilharam sua própria história de vida  no site.  



O livro Not Quite What I Was Planning, foi publicado em Fevereiro de 2008 pela primeira vez e reune uma colecção de memórias de seis palavras escritas por escritores famosos, artistas e músicos, e também de gente mais comum: Couldn't cope so I wrote songs, escreve Aimee Mann. Só mais alguns exemplos:  Born in the desert, still thirsty. - Georgene Nunn; The psychic said I'd be richer. - Elizabeth Bernstein. Write about sex, learn about love.- Martha Garvey.

As muitas histórias inscritas em frases minúsculas demonstram a diversidade e riqueza da experiência humana. São inspiradoras, apaixonadas, desencantadas, alegres, provocadoras, tristes mas sempre concisas. De certa forma faziam lembrar aos mais velhos o tempo dos telegramas e aos mais novos a economia de palavras imposta pelo Twitter original ou mesmo as mensagens por SMS.  À primeira colecção de micro-memórias seguiu-se It all changed in an instant e outros projectos.  Foi um êxito que ainda hoje continua a dar fruto.

A "história em seis palavras" pode ser também uma ferramenta poderosa para inspirar ideias ou conversas em torno de um tópico em virtude de exigências criativas ou apenas como divertimento entre amigos: experimente fazer esse exercício! Se é professor, ou animador, este é um excelente exercício de escrita criativa que pode servir para desenvolver a capacidade de síntese e escrita ou ser apenas uma forma simples de quebrar o gelo entre um grupo. Experimente!

A 15 de Junho celebra-se no UK o National Flash-Fiction Day desde 2011. Não se se já ouviram falar de "flash fiction". Estas pequenas histórias fazem parte deste universo. A "flash fiction" é algo que qualquer pessoa que escreva num blogue e que goste de escrever pode publicar. É uma parente pobre da ficção literária mas isso não quer dizer que não seja excitante.  Dá-se esse nome a histórias de ficção até 1000 palavras. Mas também já li que podem ser 1500. É a arte de contar histórias com o mínimo de palavras que for possível.  Há quem lhes chame micro-contos ou micro-histórias, nano-narrativas e mini-ficção.  Pode ser de qualquer género.

Eis os passos a seguir para escrever uma história de "flash fiction":

1. Em vez de começar pelo princípio, começamos a escrever a história "pelo seu meio", isto é, não vamos perder tempo a elaborar introduções e a desenvolver sobre ambientes e personagens. É essencial que o escritor se foque no "conflito" existente na história pois é através dele que se vai verificar uma mudança numa personagem, num ambiente particular. Na "flash fiction" é, pois, frequente começar pelo conflito, dispensando introduções possíveis em textos mais longos. O que não significa que não tenham princípio, meio e fim, como qualquer história. Não se deve escrever de forma ambígua pois isso será exasperante num pequeno texto e não vai funcionar.

2. A história deve mostrar e não contar o que sucede. O melhor é não criar muitas personagens pois não haverá espaço para a sua caracterização. Cada palavra tem de ser muito bem pesada. Ou é importante ou não é. O mesmo raciocínio vale para as personagens. A brevidade deste tipo de  histórias torna-as difíceis de escrever. A história não pode ser rica em eventos mas tem de ali existir um gancho que agarre o leitor, uma imagem central poderosa, um conflito e uma conclusão.

3. O final da história não deve vir no fim de tudo e sentir-se como clímax. O destino das personagens e o desenlace do seu conflito deve estar traçado a meio da história para que não surja como uma revelação-choque a encerrar o texto. O fim deve criar um impacto emocional no leitor mas não na forma de um suspense que conduza a um desenlace esmagador.

4. Se o final já tinha sido anunciado isto não quer dizer que a última frase não possa causar estrondo. Ela pode e deve ecoar na cabeça do leitor mesmo depois dele ter parado de ler. Aqui pode ter lugar uma interrogação que o faça repensar tudo, por exemplo, ou ver a história com outros olhos, ou até  intrigar. Que leitor é que não aprecia um bom mistério? É bom terminar de forma enigmática, conseguir surpreender o leitor, assim como é bom que o final possa ser esclarecedor daquilo que se leu e que já deve ter incluido a conclusão.

5. Deve escrever-se a história sem medo e depois de alinhavada fazer um meticuloso trabalho de edição. Toca a eliminar as gorduras e até as gordurinhas, mas sem esquecer que alguma gordura sempre será formosura. O aspecto formal deve merecer máxima atenção. A concisão no uso das palavras e frases é essencial, usam-se apenas e quando há necessidade. Escolhem-se as melhores entre as melhores. Eliminam-se todas as que não forem estritamente necessárias. Substitui-se cada uma pela mais adequada a expressar uma ideia: cada palavra deve poder ser usada para expressar o máximo sentido. A simplicidade  também deve comandar esta escrita mas isso não deve ser confundido com facilitismo, banalidade, clichés. A prosa deve ser intensa, observadora, e a voz do narrador, perceptível.

6. Por fim, há que dar um bom título que acrescente algo de verdadeiramente fantástico à história e que não lhe acrescente apenas mais palavras. Na "flash fiction" menos é mais, não esquecer.

Sugestão de leitura

Flash fiction - The New Yorker

What is Flash fiction?

Comentários

Obrigada, Teresa!