Soufflé de pescada com coentros



A Primavera está a chegar ao fim. O Verão já vem a caminho mas os dias continuam frescos. Por isso ainda tenho coragem para ligar o forno e preparar o almoço. Adoro a combinação de peixe e coentros frescos. Os coentros são ideais para juntar a peixes, frutos do mar, carnes brancas, legumes e preparados à base de ovos. Também os incorporo em saladas mistas. Espanta-me que haja quem não goste, corre por aí uma autêntica coentrofobia, - eis uma comunidade de 5000 pessoas I hate cilandro - pois o seu aspecto, cheirinho e sabor são, para mim, deliciosos. Associo o seu aroma ao Alentejo desde que uma vez lá comi uma sopa de cação, há já muitos anos. Outros pratos tradicionais dali são a açorda à Alentejana, ou os pézinhos de coentrada. Mais a sul, as conquilhas à moda do Algarve também contam com eles.

As sementes de coentro têm um sabor distinto das folhas, levemente picante e adocicado, com um toque cítrico suave, mas nunca as utilizei, embora já tenha usado Garam Masala e elas façam parte dessa mistura de especiarias indiana. O uso da raiz, de aroma acentuado, é muito comum no sudeste Asiático (na Tailândia, é cozida com alho e usada como tempero). Esta erva está muito presente na tradição culinária da China, América Latina, e Índia. Por isso também lhe chamam salsa chinesa ou salsa mexicana.

A planta do coentro pertence à família da salsa, do anis, da alcaravia ou cominho, do aneto ou endro, e erva-doce. O Coriandrum sativum (nome científico)  é uma erva  muito antiga: há vestígios dela em sítios arqueológicos do período neolítico.  A palavra portuguesa "coentro" tem origem no latim, coriandrum,  que deriva da grega, koríandron. Há quem diga que pode também derivar de koris, que é grego para "bicho", porque dizem que os seus frutos esféricos e verdes têm um cheiro que se compara ao dos percevejos, e que essa seria uma razão da repulsa em relação à mesma. Contudo quando maduras, as sementes ganham o tal aroma doce e cítrico, que, dizem, completamente distinto do aroma das folhas.

O coentro é nativo das regiões do Mediterrâneo e da Ásia Ocidental. É mencionado em antigos escritos  egípcios, sânscritos, gregos e latinos que nos revelam que foi utilizado para fins culinários, e medicinais, por Hipócrates, que lhes dedicou um tratado, o Korion,  e outros médicos gregos. Os Egípcios chamavam-lhe a erva da alegria e sementes de coentro foram encontradas na tumba do Tutancamon. Já os chineses, uns exagerados, acreditavam que a erva tinha poderes para dar a imortalidade a quem a ingerisse.  Os romanos fizeram dos coentros um popular tempero com que preservavam a carne e perfumavam o pão. Nas "Mil e uma noites" o coentro é referido como um afrodisíaco. As Cruzadas trouxeram-no do Médio Oriente para a Europa. Não sei se os coentros - a par dos rabanetes - não iriam à mesa do rei, como me lembro de ouvir cantar o fadista Rodrigo. Mas uma bebida medieval de vinho com especiarias,  Hipocrás, em cuja composição a erva entrava, juntamente com sementes de funcho e vinho, era ingerida durante os casamentos para estimular o erotismo.

Os coentros têm sido usados na culinária e medicinalmente há milhares de anos. Hoje sabe-se  com toda a certeza que os componentes das várias partes desta planta, - folhas e sementes - possuem propriedades diversas muito interessantes para a manutenção da nossa saúde: antioxidantes, diuréticas, anti-diabéticas, sedativas, anti-microbianas, e até sedativas. Contudo há também alertas quanto ao seu potencial alergénico e cuidados a ter com a sua ingestão excessiva.

Os coentros, e as suas sementes, estão presentes em muitos produtos: em pratos diversos, em conservas de fruta, em licores, como o Dom Bénédictine,  em cervejas e gin como aromatizante,  e até em perfumes. O pão de Borodinsky é o mais famoso pão de centeio russo. Bem escuro, na sua composição entra o melaço e deve o seu aroma característico à utilização de sementes de coentro. Leiam, abaixo, nos links, a lenda romântica associada a este pão, segundo a qual, as sementes arredondadas são símbolo das balas que teriam morto o general Tutchkov, comandante do regimento de mosqueteiros, durante a Batalha de Borodino. Uma coisa que vou experimentar assim que possa é esmagar dois destes grãos de coentros numa chávena de café preto: segundo li, parece que fica divino.



Produzida com maltes de trigo e de cevada, com coentro e aroma natural de laranja. 


👉Uma curiosidade: Receita para 1,5 L de hippocrás

No início das refeições medievais, servia-se uma bebida reconfortante, a hipocrás, palavra que vem do hipo, palavra grega (abaixo) e da krasis (mistura): é vinho com uma mistura de canela, açúcar e outros ingredientes. Aqui fica uma receita que podem tentar fazer, mas que não leva coentros:

Ingredientes

 3/4 de vinho vermelho e 3/4 branco da graduação normal 
 90 gr. açúcar + 50 mel 
15 gramas de especiarias: canela (5 partes): 8 gramas / cravo (3 partes) 2 gramas / gengibre (1 parte) 1,5 gramas.

Preparação

Num tacho junte todos os ingredientes, mexa e dê uma fervura curta.
Coe duas vezes (isto é importante) com uma manga de pano apertada, para evitar partículas de canela. 
Deixe repousar por 48 horas. 
Sirva frio em pequenos copos.

👉Receita de Soufflé de pescada com coentros

Ingredientes

500 gr +ou- de pescada
Meia cebola média
1 alho
4 ovos
2 colheres de sopa de manteiga derretida
3 colheres de sopa de farinha
6 dl de leite
Sal
Pimenta
Noz moscada
Sumo de limão
Um molho de coentros picados

Preparação

Coza a pescada em água e sal, escorra, deixe arrefecer e remova peles e espinhas. Com as mãos ou com um garfo desfaça a pescada mas não muito pois até final da preparação ela acaba de se desfazer.

Num tacho grande coloque a cebola e o alho picados, e as 3 colheres de manteiga. Deixe refogar.

Remova do lume, adicione as colheres de farinha, mexa, e depois junte o leite, pouco a pouco, mexendo sempre. Leve ao lume para engrossar, o que acontece subitamente. Retire e continue a mexer. Se ficar muito espesso, pode juntar mais um pouco de leite.

Retire o tacho do lume e junte a pescada e os coentros picados, envolvendo tudo.

Separe claras para uma taça e bata em castelo.

Adicione as gemas uma a uma ao preparado do peixe, tendo o cuidado de ver se o preparado não está ainda demasiado quente para as receber.

De seguida junte os temperos a gosto: sumo de limão, sal, pimenta, noz moscada. Incorpore bem.

Junte as claras batidas em castelo a pouco e pouco e suavemente.

Verta o preparado em forma untada com manteiga e leve ao forno a 180º durante 30-40 minutos.

Sirva quente, assim que sai do forno. Se sobrar, não se preocupe: também é bom frio.

(Não sei de onde tirei esta receita pois tenho hábito de anotar as receitas que vejo na internet em caderninhos, que depois andam entre a banca da cozinha e o computador, e perco a sua origem.)

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