Na Pascoela ainda se comem amêndoas


Sete dias depois da Páscoa, a Pascoela é data que quase passa despercebida a quem não for religioso. Celebra-se no Domingo seguinte ao Domingo de Páscoa, também denominado Dia da Misericórdia de Deus, oitava da Páscoa - porque oitavo dia após a festa de referência, a Páscoa - ou Quasímodo, - devido às duas primeiras palavras em latim ("quasi modo") cantadas no introito da missa, que começava por "Quasimodo geniti infantes" ou seja "Como as crianças recém nascidas"...- designações estas caídas em desuso. O Domingo da Oitava da Páscoa também costumava ser chamado de Domingo "in Álbis", ou seja, domingo "vestido de branco", já que, nesse dia, os novos baptizados na noite da vigília pascal depunham a túnica branca recebida. A Pascoela é uma forma de prolongar um pouco mais os festejos religiosos - é neste dia que muitas casas são ainda visitadas e benzidas pelo pároco, que leva o crucifixo de Cristo a beijar, - e a gulodice pascal que os acompanha. A prova é que aqui estou eu a beber uma chávena de café (sem açucar, como aprecio)  e a degustar Belinhas, amêndoas da chocolates diversos, que a minha mãe me ofereceu, enquanto escrevo.

A semana passada  vi uma pesquisa que me chamou a atenção. Uma empresa brasileira de estudos de mercado, Toluna, tinha feito um inquérito sobre o preço dos ovos de Páscoa, no Brasil. Lembrei-me da Sílvia, uma amiga brasileira, que, ano sim, ano sim, vem ironizando no Facebook acerca do exorbitante preço do artigo: "Ao preço a que estão os ovos da Páscoa, o que traz dentro? O segredo para a vida eterna?" Os resultados do inquérito indicam que  91% dos consumidores brasileiros  afirmam que os ovos de Páscoa são ou caros, ou muito caros, 8% que têm um preço justo e 1% que eles são baratos ou muito baratos. 20% das pessoas disseram que irão comprar os ovos de Páscoa após a data festiva, quando devem encontrar promoções, e 56% dizem que não vão comprar devido aos altos preços. Apenas 18% preferem chocolates em barra ou bombons aos ovos. 12% afirmam que não comemoram a data, 11% responderam que estão desempregadas e não querem gastar com doces e 3% informaram não gostar de chocolates: Senhor Deus, Todo Guloso! Como é que alguém pode não gostar de chocolate?! Ficou subitamente claro para mim que os ovos de Páscoa estão para os brasileiros como o bacalhau para nós, na quadra natalícia. São símbolos tradicionais e queridos e só se não puderem mesmo pagar o elevado preço é que passarão sem eles.


Em Portugal também se compram e oferecem ovos de chocolate mas as amêndoas são a nossa guloseima  preferida da Páscoa. Não vi nenhum estudo de mercado a confirmar isto, mas basta entrar em supermercados ou olhar para as montras das confeitarias e a conclusão parece ser óbvia. A festa tem entre seus mais importantes símbolos o coelho (que representa a fertilidade) e o ovo (que significa o começo da vida e a felicidade) e por isso vários povos presenteiam com ovos de chocolate nesta época do ano. A tradição do ovo de chocolate nunca foi forte em minha casa, tão pouco a do coelho de chocolate, mas nunca me lembro de ter havido uma Páscoa sem amêndoas. Diz-se que devem ser sempre oferecidas e por isso toda a gente troca pacotinhos de amêndoas. As amêndoas parecem-se, afinal, com pequenos ovos. São uma espécie de ovos simbólicos, talvez por isso as amêndoas doces da Páscoa são tradicionalmente feitas de açucar, brancas ou suavemente coloridas, em tons rosa e azul. Hoje existem imensas variedades: com chocolate, branco ou negro, e polvilhadas de canela, coco, café ou ainda cobertas de açúcar caramelizado. As drageias de açúcar e licor, (Bonjour) com formas de fantasia, bebés, morangos, feijões, leitões e cenouras, da Arcádia, do Porto, também fazem parte das minhas memórias de criança. São de fabrico artesanal e pintadas à mão. Também sempre recordo existir um folar sobre a mesa, o bolo que, com os ovos dentro, se assemelha a um ninho.
Ovos de chocolate à venda no Brasil

Li, pois, que o Brasil está hoje entre os maiores produtores mundiais de ovos de Páscoa, coisa que nem me passava pela cabeça. Mesmo por cá não é difícil considerar que o mais tradicional e simples ovo de chocolate não é uma guloseima barata: o dinheiro quase não paga a fina casca de chocolate, o que paga é, sobretudo,  a forma ovalada e a decoração/invólucro do ovo. O preço pode exorbitar, sobretudo se o ovo for feito por uma confeitaria, recheado ou finamente decorado. São, de facto, criações sazonais e muito especiais, compreende-se. Mas não leio grandes indignações acerca do preço do ovo de Páscoa: é um não assunto. Já no Brasil a malta protesta seriamente, como a Sílvia, no Facebook, pois todos os anos os preços sobem demasiado para desespero dos chocólatras brasileiros que amam e alimentam esta tradição.

Não é difícil entender porque são os ovos mais caros que uma tablete embora me pareça um exagero que custem três vezes mais que o chocolate simples. Desde logo é um produto sazonal e que em alguma parte do processo obriga a trabalho manual. Tem de ser produzido com antecedência, armazenado em condições especiais para não perder a forma e transportado com especial cuidado para não se partir em pedacinhos.  O ovo até pode ser banal, afinal é feito num molde bem simples, embora industrialmente isso deva obrigar a alguma maquinaria. Mas depois é ainda embrulhado em papel brilhante e colorido, e por vezes até brinde tem dentro, um brinquedo, por exemplo. Outros são acomodados em alguma embalagem especial, que alguém pensou e desenhou. Os fabricantes estão sempre a procurar inovar enquanto tentam adivinhar desejos de consumo das pobres vítimas da tradição e diferenciar o produto para cativar mais fiéis. Os custos de produção são, pois, mais elevados do que para uma tablete de chocolate de leite que é produzida todo o ano de forma igual, sem história, e sem ter de passar cavaco à Disney.

Em cima do custo o produtor coloca ainda a sua margem de lucro.  Ora, sendo um símbolo da Páscoa, eles sabem que as  pessoas estão dispostas a pagar mais pelo ovo de chocolate, sendo evidente que bombons ou tabletes não são "emocionalmente" ou "culturalmente" a mesma coisa quando se deseja festejar a Páscoa "à maneira". Quer-se oferecer e receber um ovo de chocolate. Sem isso não é Páscoa. Assim sendo, o produtor acredita que pode carregar na margem de lucro que os consumidores continuarão a comprar. Mas o real deve estar caro e raro no bolso das famílias brasileiras pois uma enorme percentagem respondeu no tal inquérito que não iria comprar ovinhos de chocolate enquanto outros afirmaram esperar pelas promoções, após a Páscoa, para  o fazer, o que é bem triste. É como a equipa do Brasil marcar um golo de vitória no Mundial de futebol e os brasileiros só poderem assistir ao golo na televisão em diferido e não no momento em que acontece. Mas não deixa de ser uma boa estratégia de combate à inflação do preço do ovo!

Além da tradição ter um forte peso nesta compra absurda também a publicidade cria uma enorme expectativa, em especial junto das crianças que anseiam por receber um ovo de chocolate com a sua personagem de animação favorita, anseios que os familiares não querem defraudar. E é assim que tudo começa. Estas crianças vão crescer e amanhã irão também elas comprar ovos de Páscoa envoltos nas cores e heróis do momento, não já o Soluço e o seu dragão Banguela, ou o alienígena Veneno, mas outros, igualmente revestidos de significação pascal.


Ovos de chocolate à venda nos supermercados em Portugal
(intervalo de preços entre 6 e 19 euros)

À distância de um oceano a impressão que me dá é que se os nossos irmãos brasileiros pudessem crucificar os fabricantes chocolateiros, crucificavam. Não passam afinal de uns pagãos gananciosos que não param de subir os preços dos ovos de chocolate para aumentar os lucros à custa da tradição. No entanto, em vez de pararem de comprar e de assim mostrarem um sinal vermelho aos fabricantes, os brasileiros têm incentivado a subida de preços ao persistirem no sacrifício. Se não compram um ovo grande, compram um médio, mas ainda compram.  Porque o seu desejo de uma Páscoa feliz se confunde com um ovo de chocolate  embrulhado em papel farfalhudo e brilhante impresso com as heroínas Disney do momento, que inclui uma surpresa: uma bolsinha ou bonequinhos de plástico que representam as personagens do filme, como Anna, Elza, Kristoff, Olaf e Sven. Mas que felicidade é esta se o papel brilhante é lixo assim que o ovo é desembrulhado e os bonequinhos de plástico não demorarão a ser trocados por quaisquer outros e esquecidos a um canto, ou seja, mais lixo? E o nobre chocolate de leite desaparece num abrir e fechar de olhos, mal pesa na palma da mão, quanto mais na boca das crianças? O ovo de chocolate em si é como uma ave que se aninhasse  na nossa mão, tão leve que mal se sente!

Os fabricantes não têm culpa de  estar a fazer o melhor que conseguem para satisfazer o desejo de uma Páscoa feliz consubstanciado numa casca de chocolate em forma de ovo profusamente decorada e a serem bem sucedidos.  Já é surpreendente que o pessoal festeiro aceite, ainda que protestando, comprar tão pouco chocolate por tanto dinheiro, isso dá realmente que pensar.  Meus irmãos brasileiros: não será esta uma boa altura para inventar um ovo novo? Ou então, porque não trocar o caríssimo ovo por amêndoas de Páscoa? 😏
Como fazer ovos de chocolate em casa  (uma sugestão do Pingo Doce)
    Ingredientes 
3 tabletes chocolate para culinária (600 gr)

0,5 clara ovo M

1 colher café sumo limão

150 g açúcar em pó
    Preparação
  • 1.Limpe os moldes com um algodão humedecido em álcool.
  • 2. Parta o chocolate em pedaços e derreta-o em banho-maria.

    3. Com uma colher, distribua o chocolate pelos moldes.

    4. Vire os moldes ao contrário e deixe o chocolate secar totalmente.

    5. Depois de secos, bata suavemente nos moldes para soltar o chocolate.

    6. Mexa a clara com o sumo de limão e o açúcar até obter uma pasta lisa.

    7. Decore os ovos com a ajuda de um saco de pasteleiro de bico fino.

    8. Depois de bem secas as decorações, pincele os bordos das metades de ovos com chocolate derretido e junte-as para formar o ovo.

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