O fantástico presépio de Natal da Maria Teresa - Marinha Grande


Na Marinha Grande, na rua Marquês de Pombal, bem perto da Câmara Municipal, mesmo no centro da cidade, está todo o ano montado um curioso Presépio de Natal. Ocupa o que parece ter sido uma loja, digo isto pela existência de montras amplas e duas portas. Já tinha estado de nariz colado ao vidro, o ano passado, quando ao passar por ali, no verão, o vi pela primeira vez. Fiquei intrigada pela dimensão e pelas pinturas na parede. Este ano calhou passar de novo em plena época festiva e encontrei a porta aberta. Havia alguma animação no interior: várias pessoas, adultos e crianças, fotografavam as inúmeras figuras e deixavam moedas na concha de loiça do Pai Natal; outras conversavam com a simpática senhora de cabelos brancos, a D. Maria Teresa, que explicava sobre o presépio, acompanhada da jovem neta, que também respondia às questões dos visitantes mais interessados. Fiquei a saber que era a responsável pela actual colecção de 1600 peças, que já foram 2800, mas porque tem dado várias para outros presépios, o número tem vindo a diminuir. A D. Maria Teresa explicou-me que é de uma terrinha ali próximo, da Martingança. Foi lá que originalmente começou a reunir as peças e a montar o presépio. Trouxe-o quando veio para ali viver ao lado. A propriedade é sua, e, desocupada, ela deve ter resolvido metê-la a bom uso. Ela, amigos e familiares, todos deram uma mão, quer a pintar as paredes do espaço, quer a retocar os telhados das casinhas ou a recolocar o musgo os cactos e outras plantinhas, e a limpar a fonte quando entupida, deixando a água de correr.

A minha supresa foi grande quando, ao examinar de perto o presépio de Natal, que ganhou luzinhas e musgo fresco, desde que o vi, no verão,  me apercebi da diversidade de cenas e figuras ali dispostas. Não será o Presépio Tradicional que se espera mas é imensamente divertido observar o acidentado terreno e descobrir, por exemplo, um laguinho onde cohabitam peixes tropicais, tartarugas e uma estrelas-do-mar de cor vermelha. À volta, pacientes, alguns pescadores tentam a sua sorte e muitos porcos ali se juntam para matar a sede. Mas também um pinguim que deve andar de olho em algum dos peixes! Ali mesmo ao lado parece estar um caganet, figura tradicional dos presépios da Catalunha, de calças deitadas abaixo, boina azul e cachecol. Vi um grupo de perús, com o seu guardador, a que não falta um alguidar de verdadeiro milho. E um grupo de gado, algumas ovelhas, e  burrinhos guardados por uma zebra. A nenhuns animais falta comida: para estes, um monte de feno! E esta zebra tem uma história, contou-me a D. Maria Teresa. Um miúdo dos seus doze anos, acompanhado pelo pai, lhe terá pedido, há muitos anos, se ela deixava que ele trouxesse para li uma zebra para guardar os seus burrinhos. E ela disse que sim, pois que trouxesse a zebra. O miúdo trouxe a zebra de porcelana, a que já  faltavam as pernas, e ela tomou o seu lugar no presépio. Passados dezasseis anos, um jovem homem apareceu para ver o presépio, com uma criança pela mão, e foi logo mostrar-lhe a zebra sem pernas, que ali ficara a cumprir a sua função de guarda, desde que ele a tinha trazido. Por perto andam galinhas e patos, são alimentadas, claro, por alguém que se encontra nas proximidades, e, na esperança de sobras, algumas aves alinham-se nuns troncos.

Disse-me a D. Teresa que encomendou algumas peças em Barcelos, por exemplo o coreto. Também os porquinhos e os perús foram encomendados. Mas muitas peças também lhe foram dadas. As pessoas têm-nas nos sotãos e perguntam-lhe se as quer. Ela não diz que não. E que assim este presépio é dela e também de todas as pessoas que o têm ajudado a construir. Por vezes as peças aparecem lá sem que ninguém lhe diga nada. Até pode passar algum tempo antes que ela dê por isso. A maior das surpresas aconteceu um dia quando alguém lhe deixou uma banda de bonecos azuis de Estremoz numa saca pendurada na porta, que ela descobriu, quando, de manhã, veio buscar a saca do pão. Até hoje desconhece quem fez a oferta!

São inúmeras as figuras humanas, porque neste presépio existem muitas casas onde morar. Há quem entre para ver e não goste da mistura pois há de tudo como se numa loja de velharias! Entre as figuras habituais destes cenários há bonecas de porcelana que parecem gigantes e que não jogam, nem na função, nem no estilo nem no tamanho, umas com as outras! Já por isso, a D. Maria Teresa colocou as bonecas maiores num plano mais afastado. Mas nunca iria recusar-se a dar-lhe morada no presépio: ali não há lugar a discriminação alguma. Por exemplo, diz-me que tem ali casinhas que vieram da Suiça e, por isso, são miniaturas de casas suiças e não portuguesas. - Imagine que a pessoa que ma deu com tanto gosto chegava aqui e não a encontrava! - diz a D. Maria Teresa. Há também várias  casas típicas da ilha da Madeira, outras que parecem ao estilo inglês, umas têm telhados vermelho vivo, outras laranja, outras, telhados brancos de neve. Juntam-se a estas,  fontes e fontanários, muitos moinhos, castelos, fortificações, capelas e igrejinhas! A procissão em honra de vários santinhos, São João e Santo António,  percorre o terreno, abrindo caminho uma garbosa banda de fardamento azul. Que não falte o ambiente de festa, com muita música! Ao todo são três bandas entregues à animação do lugar, até dá para fazer turnos. Seguem muitos anjinhos, vários andores e num, oferendas à pendura, mais propriamente, presuntos, que parecem bem defendidos por um guarda de uniforme azul e botas, montado a cavalo. As lavadeiras, de trouxa de roupa à cabeça, pararam para deixar passar a procissão, e um casal idoso também observa o desfile. Há quem não páre de trabalhar, por exemplo, o homem que conduz os bois continua a lavrar a terra como se nada de especial estivesse a acontecer...

Lá mais atrás, o que resta de uma casa de bonecas, uma sala de jantar. Há presentes no guarda-louça e as bonecas de roupa chique tomam o seu chá. Algumas são da Nazaré, estão de manto preto, chapéu e sete saias. As panelas de ferro, de três pernas, estão ao lume, perto do presépio. Uma vez mais, que ninguém aqui passe fome, nem animais nem pessoas. Os pastores estão por perto, com o seu rebanho, os reis magos chegaram já, mas um sofreu um acidente de percurso e apresenta fractura exposta nas costas: adivinha-se que foi salvo por mão enfermeira e cola transparente Pelikan. O anjo Gabriel, presença habitual,  presumo que tenha convidado o coro de 3 anjinhos, que muito prontos, segurando um libreto, cantam ao Menino Jesus, em palhinhas deitado. Uma casinha à sua frente, em material castanho, é feita em cartão, e o telhado até sai porque é um guarda-jóias, disse-me a neta da D. Maria Teresa. Do lado direito do presépio, propriamente dito, deve ser a zona de bar.  Já se tinha percebido que matar a fome a todas as criaturas é uma prioridade neste presépio, mas matar a sede também! E, como este presépio é concorrido temos um barril grandinho e mais dois outros, de tamanho menor, e copos. E, se não chegar, há garrafinhas de bebida para aquecer o corpo e animar e espírito!

Em zona mais afastada, perto de uma das entradas da loja, fica uma montanha e no topo encontra-se um estábulo que é quase uma Arca de Noé pois os animais estão todos aos pares: as vaquinhas, os coelhos, as ovelhas. O burrinho do filme Shreck, que só chegou este ano, disse a D. Maria Teresa, está ainda só. Mas não demorará até alguém lhe arranjar companhia. Perto de uma mansão luxuosa e iluminada, onde um comboio em marcha circular faz entrega presentes, um moinho de vento pintado de azul e branco, e, ao lado, um bebé vestido à antiga parece estar demasiado próximo de um crocodilo. O crocodilo até parece que vai de escorrega na pedra escura. Desconfio, no entanto, que ele esteja mais interessado no Lulu, o cãozito branco do Tintim, que está ali mesmo à mão se semear, ou de trincar, logo adiante! E no seu altar verde e prata, Nossa Senhora de Fátima, compete pela devoção! Os três pastorinhos, lá estão, ajoelhados, em demonstração de fé.

Em Dezembro não faltam presépios de norte a sul do país, uns com meia dúzia de figuras, outros com centenas, uns mais tradicionais, outros mais modernos. O fantástico presépio da D. Teresa é um exercício de imaginação, onde encontramos um insólito a cada ressalto do nosso olhar. Não é tradicional encontrar o Lulu do Tintim  num presépio ou bonecas da Nazaré. Mas é no seio desta aparente irracionalidade de uma caótica família de figuras de barro, palhinha, porcelana e plástico, que se percebe melhor ainda a mensagem do Natal: eis um presépio onde se acolhe a diferença com alegria. Neste presépio há um lugar para tudo e para todos, e todos são igualmente bem tratados: comida e bebida para o corpo, música para o espírito e alimento para a alma. Este presépio é um que dá e recebe, é um que põe em comum, que não aparta. Eu disse que era um presépio fantástico, espero tê-los convencido.

















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