Tempo de poesia com o poema Ítaca, de Constantine Cavafy


O passaporte de Cavafy

Do site oficial do arquivo online do poeta Constantine Cavafy, retirei esta imagem para ilustrar um poema intemporal: Ítaca. Atentem na curiosa legenda, segundo a qual  Cavafy assume, no seu passaporte, que a sua ocupação é ser poeta: "A spread from Constantine Cavafy’s last passport, listing “Poet” as occupation and two discrete birth dates, both erroneous."

"Ítaca" é  um poema baseado no relato de Homero sobre a jornada de regresso a casa de Odisseu. O que nos ensina? Que, tal como numa viagem, a vida é para se viver a cada minuto retirando dela o melhor proveito e sem esperar o fim para a celebrar. Desde que não cedamos aos nossos medos, superados os obstáculos inevitáveis, ficaremos, por essa via, mais fortes e aptos para enfrentar novos desafios.


Constantine P. Cavafy (1863–1933), foi um marcante poeta grego, que frequentes vezes encontrou insiração para os seus versos na cultura do mundo antigo. O escritor E. M. Forster disse dele. "A Greek gentleman in a straw hat, standing absolutely motionless at a slight angle to the  universe", um cavalheiro grego, de chapéu de palha, imóvel num particular ângulo em relação ao universo. Cavafy é hoje considerado  um dos poetas mais originais do século XX. Um grego de Alexandria, Cavafy viveu  parte da sua vida no Egito rodeado de ruinas e história antiga. Com a sua enorme curiosidade sobre o passado podia ter sido um arqueólogo. Em vez disso, a inspiração que encontrou no mundo clássico levou-o a escrever poemas de carácter intemporal e universal, como o célebre Ítaca, onde todos encontramos um sentido perenemente actual.

De seu nome completo Constantine Petrou Photiades Cavafy, nasceu em Alexandria em 29 de Abril de 1863. Era o mais novo de sete irmãos. Seu pai, comerciante, morreu cedo, tinha ele 9 anos, e então acompanhou a mãe, para Inglaterra, que durante cinco anos, se esforçou por manter os negócios familiares. Depois do insucesso regressaram a Alexandria, para partir de novo para Constantinopla, hoje Istambul. A casa de Alexandria foi bombardeada pelo exército britânico logo após. É assim que doravante Constantine desenvolverá o seu interesse por história antiga, por jornalismo e política. Regressa depois, aos dezanove anos, aos escombros da sua casa, e renuncia à cidadania britânica. Após o seu segundo regresso a Alexandria, cidade cosmopolita, onde várias culturas se cruzavam e entrelaçavam,  começou a publicar poemas em jornais. Trabalhou  como empregado de escritório, como corrector e também era um ávido e hábil jogador. Assim conseguiu viver de forma confortável a sua vida. Visitou Londres e Atenas, mas não viajava muito. Viveu na companhia da  mãe, ou com os irmãos até aos 45 anos. A partir daí vive sózinho, torna-se menos social, convive menos, e dedica-se à poesia, eliminando os escritos sem valor, agora mais seguro de si. Era um poeta, como escreveu no passaporte, e era assim que gostaria de ser lembrado. Em 1932, Cavafy, que toda a vida fora um fumador, sabe que tem um cancro na laringe e acaba por perder a voz na sequência de uma intervenção para remoção do mesmo. Morreu alguns meses depois, aos 70 anos, longe de conhecer a glória que hoje o coroa como poeta. Nunca publicou os seus poemas em livro, preferia os jornais e também os imprimia, fazendo ele mesmo uma espécie de cadernos para quem quisesse ler. Canon compreende 154 poemas e foi publicando postumamente em 1948. Em 1919, E.M. Forster, seu amigo, traduziu-o para inglês, o que contribuiu para o seu reconhecimento no mundo literário.

Este texto é um resumo livre da biografia do poeta que poderá ler aqui, em inglês e na íntegra.

Se tiver curiosidade na poesia de Constantine, pode ler a obra do poeta grego reunida numa edição bilingue, em inglês e português. Os 153 + 1 poemas que constam do livro são a obra poética que Kavafis decidiu ser a sua,  os poemas dignos de se chamarem canónicos. Pode aquirir o livro Os poemas online através da WOOK

Capa de livro (Wook)

Ithaka 

As you set out for Ithaka
hope the voyage is a long one,
full of adventure, full of discovery.
Laistrygonians and Cyclops,
angry Poseidon—don’t be afraid of them:
you’ll never find things like that on your way
as long as you keep your thoughts raised high,
as long as a rare excitement
stirs your spirit and your body.
Laistrygonians and Cyclops,
wild Poseidon—you won’t encounter them
unless you bring them along inside your soul,
unless your soul sets them up in front of you.

Hope the voyage is a long one.
May there be many a summer morning when,
with what pleasure, what joy,
you come into harbors seen for the first time;
may you stop at Phoenician trading stations
to buy fine things,
mother of pearl and coral, amber and ebony,
sensual perfume of every kind—
as many sensual perfumes as you can;
and may you visit many Egyptian cities
to gather stores of knowledge from their scholars.

Keep Ithaka always in your mind.
Arriving there is what you are destined for.
But do not hurry the journey at all.
Better if it lasts for years,
so you are old by the time you reach the island,
wealthy with all you have gained on the way,
not expecting Ithaka to make you rich.
Ithaka gave you the marvelous journey.
Without her you would not have set out.
She has nothing left to give you now.

And if you find her poor, Ithaka won’t have fooled you.
Wise as you will have become, so full of experience,
you will have understood by then what these Ithakas mean.

Translated by Edmund Keeley/Philip Sherrard

(C.P. Cavafy, Collected Poems. Translated by Edmund Keeley and Philip Sherrard. Edited by George Savidis. Revised Edition. Princeton University Press, 1992)


Ítaca

Se partires um dia rumo a Ítaca
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o colérico Posídon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrará
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o bravio Posídon hás de ver,
se tu mesmo não os levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.

Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda a espécie,
quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.

Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha velho enfim,
rico de quanto ganhaste no caminho,
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.

Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas.

Constantino Kabvafis (1863-1933)
in: O Quarteto de Alexandria - traduziu José Paulo Paes.

E, para finalizar, algumas sugestões:

1.Para ouvir o poema Ithaca, na voz de Sean Connery, aceda ao Youtube.

2.Para ler uma análise da poesia de Cavafis, deixo o link paraum texto da Comunidade, Cultura e Arte, intitulado: O efémero da beleza e a evocação da memória na poesia de Konstantinos Kaváfis

3. Para ler mais poesia de Cavafy, visite também este site.

4. Para os cinéfilos, o filme A noite em que Fernando Pessoa encontrou Cavafay

Print screen do filme

A sinopse: Fernando Pessoa, de Portugal, e Constantino Cavafy, da Grécia, foram dois dos maiores poetas do século XX. Os gigantes literários conheceram-se, finalmente, em 1929 a bordo de um transatlântico que levava emigrantes para os EUA. Stelios Haralambopoulos, realiza este documentário maginando como deva ter sido um tal encontro, oferecendo um mix inovador de imagens de arquivo e reencenações fictícias dos poetas interagindo passageiros do navio. Ver o trailer no Youtube.

Cartaz do filme

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