Um delicioso arroz de polvo para a Sexta-feira Santa!

Há coisa de anos já, escrevi aqui sobre as diversas formas de cozer o ingrato do polvo. É uma das postagens com mais visualizações aqui do blogue o que diz bem da dificuldade em alcançar o êxito no preparo do bicho, ahaha, anda por aí muita gente à procura do segredo. Hoje - soem as trombetas! - consegui o arroz de polvo perfeito e foi tão fácil que, à distância, nem percebo como é que pode ter corrido tão mal daquela vez! Asseguro que hoje o molusco ficou mesmo como eu gosto, tenro e saboroso, e o arroz bem encarnadinho. Resolvido o mistério aqui partilho o modus operandi, segui a segunda via da lista que coligi na tal postagem, recorrendo à milagrosa panela de pressão, um fantástico instrumento de poupança de tempo e combustível na cozinha!

Este polvo foi comprado congelado, era grande mas não monstruoso, 800gr, foi pescado à mão, no Perú. Deixei-o a descongelar no frigorífico de um dia para o outro e depois retirei-o da embalagem e lavei-o porque eu tenho a mania de lavar tudo antes de ir para o lume. Mas ele estava limpo. Na panela de pressão meti umas três colheres de sopa de azeite e cebola fatiada fina. Depois acamei ali o polvo, tapei e foi para o lume. Assim que a panela começa a deixar escapar o vapor pela válvula marquei 20 minutos. Ao fim desse tempo, abri e tirei a fotografia que podem ver acima. O bicho estava visivelmente mais pequeno, mas bonito e tinha um cheirinho bom, a  mar e tempero. Retirei-o para uma travessa e cortei em pedacinhos, estava bem vermelhinho por fora e muito branco por dentro, uma delícia. Provei para aferir como estava e fiquei satisfeita: tenro e gostoso. Depois vazei o líquido que se tinha formado para este tacho que podem ver, medindo, uma vez que ia fazer o arroz. Tive de acrescentar água. Colquei ao lume e temperei com sal, alho e  louro em pó, pimenta. Juntei três colheres de sopa de polpa de tomate e uma colher de coentros picados congelados porque não tinha frescos. (A salsa também é boa companheira do polvo!) Daí a pouco juntei o arroz e pouco depois os pedacinhos de polvo que tinha cortado. Lume brando, mas o suficiente para alimentar a cozedura do arroz, mexi duas vezes para o arroz do topo passar para o fundo. Quando o arroz estava quase cozido apaguei o lume, tapei e deixei acabar de cozer no calor e vapor formados. Simples e perfeito!

E agora perguntam-me se preparei o polvo por causa de ser Sexta-feira Santa. Penso que é a Igreja Católica, e não a Bíblia, que recomenda aos fiéis que honrem o sacrificio de Jesus na cruz, assinalado hoje, pela abstinência de carnes à mesa. Eu não sou religiosa e essas convenções nada me dizem. O que faz sentido para mim é manter uma alimentação o mais variada possível, obedecendo à regra de comer pouca quantidade da máxima variedade de alimentos possível, todo o ano. O mais engraçado é que a maioria dos católicos desconhece que essa recomendação da Igreja é para todas as sextas dos 40 dias que antecedem a Páscoa, a Quaresma. Mas, pergunto eu, essa indicação  "carne" não valerá para carne de mamífero como para carne de peixe ou até molusco?! E ovos e leite, não? Tem a ver com a simbologia do derramamento de sangue ou não tem? Algum padre ou crente entendido por entre os meus leitores que queira esclarecer?

À prova de convenções estão os vegetarianos que recusam sacrificar vidas animais, sejam elas quais forem. Infelizmente para os animais eu ainda não me converti à causa vegan. Como pouca carne, nem sou uma sua grande apreciadora, verdade, e pouco peixe, o que prefiro. O que defendo, por enquanto, além da moderação do consumo de carne e peixe, é apenas a melhoria das condições em que são criados e a forma como são abatidos os animais que usamos para a nossa alimentação, e não a sua exclusão da cadeia alimentar. Se dedicarem um pouco de atenção a esse assunto irão descobrir coisas chocantes motivadas pela necessidade de alimentar em massa e pelo menor preço, - ou seja, com margem máxima de lucro a quem se encarrega da produção - as populações. É mau para os animais e mau para a nossa saúde, e, sim, pouco digno para a raça dita racional. Outras coisas que podem fazer em prol de um mundo mais equilibrado para todas as vidas é deixarem de usar produtos de beleza que usam animais nos seus testes e produtos feitos em pele animal. Um passo de cada vez.

Voltando à questão da troca de carne por peixe na Sexta-feira Santa, um gesto, afinal, que pouco tem de penitência, que se resume a um ritual simbólico desprovido de valor maior nos dias actuais, melhor seria se a Igreja deixasse cair estas práticas e incitasse a outras mais proveitosas, por exemplo, oferecer uma refeição completa, rica e saudável a quem não a tem. Entendo que a prática antiga faça parte da ascese a que todos os católicos deviam aspirar, mas que a poucos lembra no quotidiano, na hora de atacar o Big Mac ou o bife com ovo a cavalo. Ironicamente nem precisa de ser lembrada por outros tantos pela simples razão de que passam fome. E entretanto, enquanto o bacalhau, a pescada, a solha, a truta e o rissol de camarão são consumidos hoje com fervor religioso, é notícia o padre Arsénio que desviou dinheiro de instituições de solidariedade social para aquisição de bens de luxoPor estas e por outras é que não tenho grande paciência para Pais nossos. 




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