Cinema: True Cost e o movimento da Slow Fashion



The true cost - movie trailer e Imbd - é um documentário com origem num facto particular, que despertou a atenção do realizador.  Quando o Rana Plaza, o edifício em Dakha, no Bangladesh, colapsou, em 2013, mais de 1000 pessoas morreram e mais de 2000 ficaram feridas. O edifício abriu fendas mas os chefes insistiram que os operários do têxtil comparecessem ao trabalho no dia seguinte. Uma tragédia que acordou o mundo para a forma como a moda do pronto-a-vestir persegue o lucro fácil, desrespeitando a mão de obra, a segurança das unidades fabris, a sustentabilidade. Recordo ter lido que edifícios há sem telhado acabado, chão de vigas a descoberto, prontos a crescer à medida do florescimento dos negócios com o Ocidente - é ali que conhecidas marcas como a Primark, Tommy Hilfiger, CA, Disney, GAP, HM, Auchan, Benetton, Carrefour, El Corte Ingles, Inditex, Kappa, Mango, etc, fabricam as suas roupas. Se procurarem as etiquetas da vossa roupa é provável que numa delas se leia Made in Bangladesh.



Encontrei um relatório sobre Direitos Laborais nas Fábricas do Bangladesh - aí se refere que o fundo que se criou para compensar as famílias das vítimas do desabamento não funcionou devidamente. Empresas existem que ainda não pagaram. Mas uma coisa é certa: a laboração não pode continuar a ser feita em desrespeito dos direitos dos trabalhadores - o relatório refere abuso verbal, físico e sexual, tempo de trabalho forçado, falta de pagamento da licença de maternidade, de salários, pressão para não usarem o wc, distribuição de água imprópria para beber - e sem estarem asseguradas condições de segurança. Noutro relatório, é referido que existem mais 5.600 fábricas de pronto-a-vestir no Bangladesh com 1500 a 2000 trabalhadores por fábrica. Ali também se lê que os entrevistados na sua maioria não querem abandonar as operações no Bangladesh. Parece, portanto, infundado o receio de que o trabalho nas fábricas que tirou muitos da pobreza e do qual resultam 80% das exportações do país, abrande. É por isso importante que se mantenha a pressão internacional.
Slow quer dizer devagar. Eu já abrandei há muitos anos atrás. De facto, comecei bem cedo a questionar o que me era vendido nas lojas e por uma razão: a minha mãe era modista profissional e até bem tarde as filhas tiveram o privilégio de vestir roupa feita por medida. Até hoje eu considero isso o maior luxo. Poder escolher o tecido, ter alguém que nos tire as medidas e faça um vestido ou um saia-casaco ou o que quer que seja só para nós é a perfeição. Quando comecei a ir às lojas com as minhas amigas eu era única que voltava as peças do avesso para ver os acabamentos e que refilava com a imperfeição ou a qualidade do tecido. Na realidade eu nunca me guiei muito pelo que a moda ditava e sempre escolhi roupa de acordo com o meu gosto pessoal. Nunca comprei peças para usar durante uma época, se gostava eu queria que durassem e estimava a roupa, lavando com cuidado, pendurando a secar devidamente, usando o ferro na temperatura certa - "quando a gente gosta, é claro que a gente cuida", canta o Caetano Veloso, noutro contexto, mas é isso.

Por outro lado, a minha avó ensinou-me a desconfiar das pechinchas. O barato sai caro, dizia ela. A pechincha é uma ilusão, o que devemos procurar é o preço justo. Ela passou momentos difíceis mas quando comprava algo, fosse o que fosse, gostava de comprar bom. Porque ia durar. Poupava para poder comprar. Porque era caro. Prescindia para poder comprar. E por isso comprava pouco. Para que precisas de tantos sapatos, perguntava-me ela? Apenas tens dois pés. A minha avó já era adepta do Slow Fashion. Mas na minha juventude a produção têxtil era mais civilizada do que agora. Hoje o avesso da moda é uma realidade suja. Nunca se produziu tanta roupa em tão curto espaço de tempo. Não se trata apenas de pagar salários dignos aos trabalhadores do têxtil  e garantir que os seus postos de trabalho sejam seguros. Trata-se também de usar os recursos naturais de forma sustentável. Trata-se de equacionar se não estamos a esgotar combustíveis fósseis, reservas de água, a transformar terra fértil em terreiros de pó, se não estamos a contaminar o ambiente com a nossa pressa de obter mais colheitas de algodão, carregando nos pesticidas, ou, se depois, usamos pigmentos venosos no tingimento e vazamos para o grande, sem qualquer tratamento, se não estamos a despejar dióxido de carbono para a atmosfera só para fazer voar roupa - da China, India e Bangladesh - à tonelada até ao Ocidente.

A variedade de propostas do pronto-a-vestir é enorme mas, na realidade, a qualidade não é a nota geral nas lojas mais acessíveis. Quando se quer uma peça mesmo boa temos de procurar bem e pagar mais. Como a nossa mobilidade é maior e as lojas de marca proliferam, a hipótese de andarmos todos vestidos de igual, como se de uniforme da escola primária do meu tempo, é grande. Fazemos parte do grande exército que a moda do pronto-a-vestir equipou. A maioria não arrisca e segue os modelos que viu nas montras, ou nas revistas, que viu na TV, as propostas da pandilha unida dos blogues de moda. Não sei se quem está convencido de ter urdido um estilo muito próprio e original, não estará apenas iludido,  já que a massificação da produção têxtil se tornou a regra. E tal como os carros de um executivo que cessa funções se tornam obsoletos quando entra um executivo recém-eleito, também na época seguinte as nossas escolhas deixam se ser ideais apenas porque entra uma nova moda ao serviço. E tudo recomeça. É absurdo.

O colapso do Rana Plaza não foi o único acidente que tirou vidas a operários da indústria têxtil mas pelo número dramático de mortes que provocou lançou definitivamente a discussão em torno das marcas de grande consumo cujo traço comum é o baixo preço, a baixa qualidade dos materiais empregues e a rápida produção. Muitos são os consumidores que reivindicam desde então uma visão sustentável para uma das mais velhas indústrias do mundo, a par do transparente impacto social e ambiental da sua laboração e que buscam alternativas. É neste quadro que se insere e ganha força o movimento intitulado Slow Fashion. De uma forma simples, o que se pretende é que o consumo de roupa, calçado e acessórios seja feito de forma mais consciente e menos impulsiva.
"A mudança é o traço característico da moda. A cada estação as tendências mudam a cor, a silhueta, o tecido, ditando de forma artificial a obsolescência de uma peça. As tendências mudam agora mais rapidamente graças ao avanço da tecnologia de produção, encurtando o tempo que vai da produção do conceito até à venda na loja. A moda assim produzida é "fast fashion" , costuma ser de baixa qualidade e tem por finalidade ser usada uma única época. O termo Slow Fashion foi primeiramente utilizado por Kate Fletcher em 2007 (Centre for Sustainable Fashion, UK) e é o oposto a tendências para uso numa só época. O seu objectivo é tentar que a mudança ocorra a um passo mais sustentável. Fazer perceber que não precisamos de comprar novas tendências a cada 6 semanas por sugestão dos retalhistas. Fazer com que tomemos consciência do que é na realidade importante para nós."
Como já devem ter intuído, o Slow Fashion não é um caminho fácil e eu podia agora alongar-me no capítulo das dificuldades para inverter o rumo da fast fashion. Mas considero mais válido concentrar-me em perceber a questão e depois de a ter percebido, tentar fazer alguma coisa, por pequena que seja, por exemplo escrever esta postagem.  Basicamente é-nos pedido que  diminuamos a compra por impulso, que moderemos o nosso apetite por compras, que disciplinemos cada aquisição. Este processo torna-se mais fácil para quem ousar perceber e descodificar a hábil manipulação a que indústria nos sujeita através da publicidade. No momento da compra devemos preferir peças atemporais, feitas à mão, que utilizam tecidos naturais e duráveis como o algodão,  seda ou linho. As cores suaves indicam por si só tecidos mais limpos e têm menor tendência a tornarem-se datadas. Escolher uma produção em baixa escala que aconteça o mais próximo possível do local onde vivemos e procurar informação sobre criadores nacionais que se dedicam ao movimento Slow Fashion completa o ideário.

Para finalizar, uma síntese para quem desejar iniciar-se  no movimento da Slow Fashion:

- procure questionar-se se precisa realmente de adquirir a nova peça
- opte por comprar menos variedade
- escolha comprar peças que apresentem maior durabilidade seja em termos da matéria prima, seja em termos do seu design
- opte por peças que sejam versáteis e que possa vestir em variadas circunstâncias
- recupere as peças antigas ( por vezes é possível apertar, alargar ou alterar a peça para dar-lhe uma nova vida, ou mesmo desmanchar e criar uma peça nova)
- experimente trocar uma peça do seu guarda-fatos por outra de outra pessoa
- já tentou fazer algumas das suas próprias roupas? Talvez seja menos complicado do que imagina.
- utilize tecidos existentes que estejam em stock, esquecidos e inertes
- misture as peças antigas (vintage) com as recentes e procurar o seu estilo próprio
- desperte a sua sensibilidade para conceitos tradicionais etnográficos da moda
- perceba que a roupa colorida é resultado de processos quase sempre mais poluentes
- opte por design mais clássico para que não se sinta um pato fora de água
- examine as peças que vai comprar e perceba as suas zonas de esforço - ver se os tecidos são adequados, se essas áreas estão reforçadas ou se podem ser facilmente substituídas (cotovelos, golas, etc) quando gastas
- compre de pessoas que recuperaram técnicas tradicionais que se encontram em vias de extinção
- adquira de pequenos produtores que fazem poucas peças
- compre localmente de produtores locais
- cuide bem das suas peças de vestuário respeitando as indicações de lavagem e secagem
- divulgue os ideias da Slow Fashion e a problemática que lhe deu origem


Sugestão de leitura


Para começar a procurar peças sustentáveis em Portugal ver aqui

Dahka, Bangladesh, aerial view

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