Televisão: Segurança Nacional é Carrie Mathison


Segurança Nacional (Homeland) regressou à Fox ontem à noite e eu estava a postos. Comecei a ver esta série pela segunda temporada. Quando cheguei à terceira temporada não percebia porque é que Brody não morria. O homem já estava a transformar-se num Jack Bauer! Finalmente alguém teve juízo, deu um murro na mesa e escreveu a cena do enforcamento na grua. Acho que ele não merecia aquele fim tão vexatório, mas naquele momento qualquer morte para Brody era bem vinda, ninguém mais aguentava as piruetas de uma personagem que já estava morta há muito tempo e a viver de tempo emprestado!

Entretanto, há cerca de três semanas, vi a 1ª temporada de Segurança Nacional e ainda me surpreendi mais com o rumo que a série levou. Fazer render o peixe de um affair sem sentido transformou uma série sólida sobre a "guerra do terror" no pós 11 de Setembro numa deriva sentimental que por pouco não abatia também uma das personagens femininas mais interessantes das séries de TV que por aí andam, deixem-me refazer isto, a mais interessante. A subtileza dos dilemas e a tensão narrativa existentes ao longo da primeira leva de episódios,- de episódio em episódio éramos consumidos pelo jogo da ambiguidade, pela dúvida de quem mentia ou falava verdade, não se descortinando o passo seguinte - o rigor dramático e a riqueza da caracterização das personagens, diluíram-se de forma incompreensível nas temporadas seguintes. É a tal coisa, no melhor pano, cai a nódoa. E que nódoa.

Mas se não há duas sem três, também não há três sem quatro, eis que se anuncia a nova temporada. Sem Brody. Até que enfim, sangue novo!!! E de facto ontem houve sangue novo, um casamento desfeito à bomba e um espancamento de um americano pela maralha em fúria nas ruas de Islamabad. Ah, e a excelente presença do actor-herói do filme A vida de Pi, Suraj Sharma. Não delirei com a estreia de Segurança Nacional do mesmo jeito que com True Detective, mas gostei destes dois episódios. Gostei mas com desgostos pelo meio. Por exemplo, surpreende-me que Carrie apareça como que redimida de todas as suas falhas aos olhos da CIA,- e até promovida a "Rainha dos Drones", agora ela é chefe de operações em Kabul. A mulher lava os dentes como se exterminar a placa bacteriana fosse um caso de vida ou de morte, engole os habituais comprimidos para dormir à boleia do já habitual copo de Chardonnay e aterra na cama que nem um passarinho depois de bombardear cirurgicamente uma quinta de talibans na fronteira Afeganistão-Paquistão.

Também tivemos direito a umas cenas pseudo-maternais um pouco questionáveis, como se fosse preciso sermos convencidos de que Carrie é uma mãe inepta. Ela devia ter abortado. Eu sempre pensei que ela teria um acidente que resolveria a situação de forma limpa. Mas não. A pequena Franny veio ao mundo, ruiva como só Brody, para nos assombrar e testar Carrie a mudar fraldas. Franny é o que resta da obsessão dos argumentistas pelo affair Brody! Para mim é o símbolo da tolice melodramática que ia arruinando Segurança Nacional. Para Carrie é o símbolo de tudo o que correu mal, um peso morto, que ela não hesita em arredar do caminho. Era previsível que ela não soubesse o que fazer com aquele embrulho de fraldas, ainda que inteligente. Sabemos que Carrie Mathison vive para antecipar a jogada do inimigo e não se perdoa por ter falhado a sua missão de vida, garantir a segurança da América. A sua missão não é ser mãe, é salvar a América. Era sabido.

Carrie é uma pessoa em luta com as suas falhas e imperfeições desde o início e esse é um dos seus traços fascinantes. Não obstante essa sua fragilidade, era uma profissional capaz e inteligente. A nova Carrie é prepotente ao ponto da má educação, escuda-se não já na sua razão e sagacidade mas num discurso formatado e mecânico que até Quinn lhe estranha. Era esta a Carrie pré-Brody, cerebral, dura e ambiciosa? Se a resposta for sim, então talvez a patetice do amor tenha ajudado a temperar a frieza profissional da personagem, ok, menos mal. Carrie assume tacitamente que é parte do exército de pessoas sem rosto que fazem a guerra actual. É um monstro - e até lho dizem- que solta os drones sobre os inimigos e que depois puxa a máscara sobre os olhos, coloca tampões nos ouvidos e dorme descansada porque aquilo que faz é apenas "um trabalho". Sofreu, pois, um pequeno upgrade de personalidade em sintonia com as mais recentes motivações bélicas norte-americanas, a que se junta o estigma da má mãe. O que ganhará a personagem Carrie com tudo isto senão uma crescente desumanização?Não poderia ser a maternidade a justificação e a garantia de um certo afinamento da inteligência emocional de Carrie? Parece que não. Uma vez louca, sempre louca. Ou ainda mais louca. Intriga-me o que irão os argumentistas fazer doravante com este monstro! Não há ninguém a escrever mulheres cativantes para televisão, reconheçamos isso, a excepção é Carrie Mathison. Vamos ver se não é desta que a enforcam também porque se isso acontecer não há forma possível da série se re-inventar, Segurança Nacional é Carrie Mathison e está tudo dito. E para a semana há mais.

O pior da estreia de Segurança Nacional foi a publicidade exagerada do canal Fox. Eu não vejo muita televisão, não estou habituada à intrusão da publicidade, nem quero habituar-me. Não sei como é que é possível poder apreciar o que quer que seja, um filme, uma série, cortado em pedacinhos de 10 ou 15 minutos!! A solução é ver depois ou procurar um streaming. Não há quem aguente.

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