The Oscars: a festa do cinema norte-americano muda de nome


Dantes era assim.
Agora é assim.



The Golden Globes are fun. The Oscars are business.(Warren Beatty)


Estamos prestes a assistir à 85ª atribuição dos prémios mais populares do cinema. Do ano passado para este o evento largou o nome pomposo e histórico por que era conhecido - Anual Academy Awards - e agora passa a ser, até nova ordem, simplesmente The Oscars. Talvez a cerimónia tenha perdido público e daí a necessidade de refresh, de um pouco de marketing. Ou talvez as pessoas estejam a ficar simplesmente preguiçosas, quanto menos palavras a pronunciar, melhor.

Os Oscars são o que são. Não há volta a dar. Será preciso bem mais do que uma mudança de nome para que consigam vender a cerimónia por outra coisa, cativar mais público, outro público, reduzida que está a uma celebração mais do luxo, das marcas, do que do cinema americano, do cinema em geral é que não é, não basta que lá esteja a categoria do filme em língua estrangeira para isso. A festa do cinema é uma grande ilusão e sobretudo um formato acomodado, gasto. Mas, como dar a volta isso? Não sei. Uma coisa julgo talvez saber. Se a inveja matasse, a noite dos Oscars seria um massacre de apunha-lamentos pelas costas entre candidatos! Desde a nomeação a sonhar com o prémio e depois obrigados a fazer de conta que ficam muito contentes, a bater palmas e a sorrir, quando o prémio vai para o colega? Sem esquecer que as câmaras da TV procuram nem que seja no canto do olho dos infelizes uma micro-lágrima de tristeza para mostrar ao mundo! Como se isso não bastasse, os vencedores exultantes chegam ao palco e ainda prolongam a agonia dos derrotados por mais um minuto e picos durante o qual a) ou sacam da lista (de papel, não vão deixar alguém de fora, ooops!) infindável de nomes a quem querem agradecer, orando, o filme é maravilhoso, o realizador é maravilhoso, eu fui maravilhosa, os outros foram maravilhosos, e até a mamã, que está em casa a ver-me, é maravilhosa, e o papá que anda em viagem, onde quer que esteja, é maravilhoso, thank you daddy, I love you. b) ou são assaltados pelas lágrimas, Fazem beicinho e balbuciam umas incoerências contidas, e é então que a gente se lembra que a maior parte das vezes as palavras que ouvimos deles não lhes pertencem, nem estas, provavelmente, e quem sabe, não serão também falsas as lágrimas?! c) ou até dizem umas coisas bonitas e inspiradas, que ficam para sempre, mas isso é mais raro. d) ou soltam a loucura que ainda há neles mesmos e viva a espontaneidade! 

Assistir a uma cena dessas em directo é o nosso prémio maior, algo por que todos ansiamos nos ensaiadinhos Oscars, onde a possibilidade da bronca é gerida e minimizada ao segundo pelos organizadores. Mas há broncas lindas, que fazem valer a noite! Lembram-se quando Adrien Brody ficou tão contente por ter ganho o Oscar para melhor actor (O pianista) que beijou Halley Berry? E quando o Michael Moore aproveitou para declarar guerra ao George Bush depois de ter sido premiado pelo Bowlling for Columbine? E Roberto Benigni a fazer equilibrismo nas costas das cadeiras quando ganhou pelo filme A vida é bela? Ahah! Mais louco que isso foi ele chegar ao palco e dizer que queria ser Júpiter e fazer amor com todos, uma coisa assim, italiano, está visto!

Um dos discursos que nunca vou esquecer é o que se pode ouvir neste video: And there lies my dilemma here tonight. I know that my work in this case is magnified by the fact that the streets of heaven are too crowded with angels. We know their names. They number a thousand for each one of the red ribbons that we wear here tonight. Tom Hanks, na 66ª Cerimónia de entrega dos Óscares em 1994, quando ganhou o seu primeiro Oscar pela interpretação no filme Philadelphia, a história de um advogado despedido da firma preconceituosa onde trabalha por ser seropositivo, estava emocionadíssimo e conseguiu emocionar todos também. Não acredito que estivesse a ser falso. Philadelphia não deixa de ser um filme algo conservador e cauteloso, feito para abarcar a simpatia das audiências e não fazer ondas, e muito simplista quando à homossexualidade, quero dizer, até é mais sobre o doente terminal do que sobre o homossexual, do que recordo, mas as interpretações de Tom Hanks e Denzel Washington, mais a música de Bruce Springsteen ficaram na minha memória como sendo de topo, a par deste discurso.

Há uns anos eu não perdia nenhuma entrega de carecas dourados, perdia sono, o directo é que era fixe, não o compacto que depois a TV mostrava, no dia seguinte. Isso era quando havia tempo e paciência para os discursos, os vestidos, os chatos dos comentadores que não nos deixam ouvir o que dizem os que lá estão. Mas a vida dá voltas e hoje o meu sofá arrefece mais depressa, a minha paciência é agora mais curta e a minha avaliação das coisas, das prioridades, mais judiciosa. O espectáculo é longo e nem os apresentadores, com as suas piadas engraçadas, me conseguem já convencer a ficar e a depois enfrentar a ressaca do dia seguinte, a ir trabalhar com areia nos olhos, e muito menos a envolver-me em discussões sem fim sobre a injustiça da justiça dos Oscars, os seus momentos mais hilários ou os mais aborrecidos. Não é realmente a festa do cinema, é apenas mais uma festa do cinema, a festa deles, dos americanos, a arena onde a mercadoria se mostra e se faz mais apetecível e transacionável, onde a cotação dos produtos sobe e desce. Mais depressa uma noitada non-stop de filmes valeria uma justa ressaca e eu raras vezes faço isso. Maratonas cinematográficas só mesmo no saudoso e extinto Festival Internacional de Cinema da Figueira da Foz, tempos e hábitos que não voltam. O mais que ainda faço é a sessão dupla, uma tradição que já vem de longe, nos tempos em que no regresso do trabalho, à sexta-feira, passava pelo clube de video para me abastecer de duas cassetes, antes dos DVD eram cassetes, daqui a pouco já ninguém se lembra delas. Era a minha fórmula anti-stress, aquela sessão dupla. Durante aquelas horas desligava-me da semana de trabalho e abria as portas ao descanso do fim-de-semana. Há um mês passei na rua do meu video-clube e espreitei para ver se ainda existia ou se não se havia também extinguido como o Festival. Pareceu-me que ainda lá está.

Este ano não há filmes inesquecíveis, mas há bons filmes. Gostei de Argo e de Silver Linnings Playbook. E de Django. E de Paranorman. Ainda não vi Lincoln. É terrível ter de escolher um só. Não é justo. É, simplesmente, The Oscars. And the Oscar goes to...

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