Cinema: Offside - Fora de jogo





No sábado passado a RTP2 passou dois filmes de Jafar Panahi, Offside e This is not a film. Tenho o hábito de colocar os trailers no Facebook, já todos sabem que quando digo “no sítio do costume” me refiro a esse espaço da RTP2 onde se consegue ver cinema dos quatro cantos do mundo, de várias épocas e estilos. São oportunidades quase únicas e por isso eu faço a minha parte de divulgação, não que receba créditos nem que me paguem para isso, faço-o por solidariedade cinéfila, pois se todos forem como eu, que, apesar de gostar de cinema, muito, muitíssimo até, nunca ando em cima da programação, não faltam oportunidades perdidas de ver cinema na TV.

Offside é um filme muito curioso sobre a condição das mulheres no Irão, um tema que Panahi já abordara noutras obras. Um homem grisalho faz parar um autocarro cheio de adeptos ruidosos que segue a caminho do estádio. Joga-se uma partida decisiva, o Irão defronta o Barhein, os 90 minutos vão decidir o apuramento para o Mundial de 2006. Esse homem procura a filha universitária que fugiu para ir assistir ao jogo. Dentro do autocarro, um dos rapazes permanece sentado e distante, é estranhamente pacato. O rapaz é uma rapariga que, disfarçada, tenta passar despercebida. No Irão de Ahmadinejad as mulheres não podem ir ao estádio Azadi, em Teerão, ver os jogos de futebol. As estrangeiras, as japonesas, dirão depois os militares às raparigas, puderam ir assistir pois não percebem a língua iraniana, não percebem as asneiras que os homens dizem.

Apesar de ter como referência a sociedade iraniana, qualquer pessoa minimamente familiarizada com o futebol e os sentimentos que ele envolve, pode apreciar Offside. Este grupo de mulheres que quer entrar no estádio de Teerão não tem tiques feministas de qualquer ordem, não está a lutar pela igualdade de direitos, elas são pura e simplesmente adeptas da bola e fãs dos jogadores da selecção nacional do Irão. Jafar Panahi inspira-se na sociedade iraniana e critica-a através dos seus filmes mas não faz cinema político. Apesar disso foi acusado de fazer cinema contra o regime, de ameaçar a segurança nacional e instigar os protestos que se seguiram à eleições de 2009. A inspiração para este filme foi resultado de um episódio que ele mesmo protagonizou: quando pretendia entrar no estádio com a sua filha de 12 anos esta foi retida à entrada. Mas depois acabaria por se juntar a ele sem nunca revelar ao pai como o tinha conseguido. Presas pelos militares as raparigas do filme têm de aguardar pelo final do jogo. Nunca veem o que acontece no relvado: ouvem a multidão e assistem, em sofrimento, ao relato feito por um militar. É no contacto com os militares, no Irão com os 18 anos chega o serviço militar obrigatório, que nos é revelada muita da realidade social e motivações da população iraniana. Os rapazes estão, afinal, do lado das raparigas. Apenas não compreendem porque gostam elas tanto de futebol, arriscando serem presas. Tal como as raparigas também os soldados devem obediência a regras impostas superiormente e nesse patamar comum estabelece-se um entendimento solidário entre os dois grupos que leva ao regresso de uma das raparigas, que entretanto consegue escapar. Quando o filme se aproxima do final, também o jogo, e elas seguem o seu desenlace pela rádio, já dentro do autocarro que as levará à Brigada dos Costumes. Há lágrimas e alegria, fogo de artifício. É dentro do mesmo que festejam a vitória do querido Irão. O filme tem um toque documental ao integrar cenas filmadas durante a final e momentos de franca comédia, terminando com a celebração do grupo, nas ruas, e com música, num sinónimo de abertura ao exterior. Prestigiado no mundo, o cinema iraniano irá conseguir derrubar e censura do regime e prevalecer. Mas Panahi, por enquanto, paga o preço da sua ousadia, continua preso.

Tão importante como conhecer esta realidade social é saber, pois, que Jafar Panahi está preso , foi proibido de fazer filmes e de deixar o país durante 20 anos ou até de dar entrevistas. Foi em casa que ele filmou o seu documentário This is not a film. Este filme proibido chegou à Cinemateca Francesa enfiado num bolo, dentro de uma pen-drive. Juntamente com Mojtaba Mirtahmasb, filmaram-se um ao outro na sua casa enquanto aguardava a decisão do recurso interposto, e, consigo como personagem, Isto não é um filme aborda um dia na vida do cineasta que, impedido de filmar, resolve contar-nos o filme que queria fazer: as cenas, as personagens, o guião. Primeiro é filmado por Mirtahmasb, depois usa o seu telemóvel. O documentário prova a frustração de qualquer artista amordaçado mas é também uma peça de resistência contra a censura e de reivindicação da liberdade de expressão.Todavia, apesar de muitas vozes se terem erguido em sua defesa, o regime iraniano continua indefetível na sua resolução.

Conheço pouco do Irão, apenas o que vi em alguns documentários, mas sei que não é de forma alguma um "país atrasado". Por lá existem poetas e escritores, cinema, arte. Tem tradições, tem uma cultura. É de lastimar que o regime iraniano tente controlar a criatividade do seu povo, artistas e não artistas, uma população muito jovem e que tenho a certeza há-de conseguir encontrar caminhos para se expressar.

Tenho pena que os trailers que deixei no Facebook não tenham suscitado grandes Likes nem comentários. Mas nem todas as pessoas estão a par da luta de Panahi e eu, na altura, não tive tempo de escrever este texto. Se quiser enviar uma mensagem ao governo iraniano através da Amnistia Internacional, solicitando a revisão da sentença deste realizador de cinema, siga o link! Eu subscrevi.


http://takeaction.amnestyusa.org/siteapps/advocacy/ActionItem.aspx?c=6oJCLQPAJiJUG&b=6645049&aid=15108

Prominent film maker receives harsh prison sentence and artistic ban

I am writing to you to express my concern about the harsh sentence imposed on acclaimed film maker Jafar Panahi. He was sentenced to six years in prison as well as a total ban on his artistic activities for a period of twenty years. He was convicted of "propaganda against the state" for making a film deemed to be against the government, and for his alleged involvement in inciting the protests following last year's presidential election. His artistic collaborator, Mohammad Rasoulof, was also sentenced to six years in prison.

Jafar Panahi was detained for nearly three months following his arrest on 1 March 2010. While in detention, he reported that he was subjected to degrading treatment and went on a nine-day hunger strike in protest. Because he was in prison, he was unable to accept the invitation to be a judge at the prestigious Cannes Film Festival in May 2010.

I urge you to overturn the harsh sentences imposed on Jafar Panahi and Mohammad Rasoulof. I urge that all charges brought against them that stem from their peaceful activities as artists and political activists be dropped. The right to freedom of expression through art and peaceful political activism is guaranteed by Article 19 of the International Covenant on Civil and Political Rights, to which Iran is a state party.


Thank you very much for your attention.

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