Haiti, o terramoto e os bolinhos de barro

(Imagem colhida aqui.)
(O Haiti é um dos países mais pobres do Mundo. A propósito da recente tragédia, o sismo de ontem, lembro aqui um pouco da história recente deste país e ainda a poderosa peça de reportagem de Marc Lacey, para o New York Times, em 2008, sobre a fome no mundo.)


Depois de protestos ocorridos em 2004 o presidente Aristide foi forçado a fugir e uma missão da ONU (The United Nations Stabilization Mission in Haiti - MINUSTAH) mantém-se desde então no território para assegurar a estabilização a vários níveis: segurança geral da população,permanente diálogo político e eleições regulares,afirmação da autoridade do Estado, da lei e Direitos Humanos, ajuda humanitária e desenvolvimento sócio-económico,consolidação das instituições democráticas.Esta força trabalhou na formação da polícia e com ela desmantelou gangs haitianos, contribuindo para baixar a criminalidade. Mas a segurança no Haiti continua uma miragem em virtude da frágil estrutura social. 

Um dos problemas maiores do país é o da escassez de alimentos, 1/3 da população do Haiti experimenta fome em maior ou menor grau e as doenças provocadas pela má nutrição são comuns. A recente crise global a nível económico e financeiro repercutiu-se negativamente na reanimação do Haiti.Como se isso não bastasse as tempestades sucessivas que em 2008 assolaram o país, continuamente sujeito a furacões, causaram enorme dano. Mesmo sem essa ocorrência mais brutal da natureza, algumas das suas cidades onde abundam zonas de construção frágil e pobre são propícias a desastres frequentes causados por inundações e deslizamento de terras. A persistência insustentável da fome acabou por gerar revolta e conflitos que minam os esforços de estabilidade e segurança por parte da ONU. 

Em Fevereiro de 2009 foram registadas 64 manifestações e 2/3 delas foram provocadas por questões sócio-económicas. Não há trabalho. Num ambiente destes é fácil imaginar tráfico de droga e todo um quadro de problemas comuns a ele associado.Todavia com a eleição democrática de Preval em 2006 verificaram-se melhoras ao nível da liberdade política embora ao nível do relacionamento das estruturas democráticas se mantenham atritos diversos. A população sente continuamente que o Governo não consegue assegurar as condições elementares e básicas de um país civilizado, por exemplo, saúde e educação. Num país muito vulnerável a condições meteorológicas, com pouco solo arável e desflorestado,60% da população vive da terra e da criação de animais mas a terra apenas assegura 45% das suas necessidades alimentares. A terra não produz o suficiente pois as culturas não são mecanizadas, a irrigação é diminuta,não se utilizam fertilizantes ou as melhores sementes. Não admira pois que,como escreveu Marc, produtos de consumo básico dos haitianos, como feijão, arroz e milho, sejam tesouros guardados a sete chaves. Há crianças que apenas comem duas colheres de arroz cada uma como única refeição do dia, não comendo mais nada no dia seguinte, refere. O presidente do Haiti, Rene Preval, disse aos haitianos que se tinham condições de comprar telemóveis, também deveriam ser capazes de alimentar as suas famílias. Incitou as pessoas a manifestarem-se e elas assim fizeram enchendo as ruas com o seu protesto pelas miseráveis condições de vida. Então ele refugiou-se no palácio presidencial, agora também destruído no terramoto. Dias depois a oposição votou no Parlamento o afastamento do primeiro-ministro de Preval, Jacques-Edouard Alexis, e o governo foi reformulado. 

O que me ficou na memória deste texto de Marc foi isto:os pobres comem barro, bolinhos feitos de barro, óleo e açúcar. São salgados, levam manteiga, as pessoas não sabem que eles contêm barro. É o negócio mais próspero do Haiti. Agora pense-se como é que um país de manifestações de gente com fome e gangs que atacam locais onde existe comida irá conviver com a realidade da tragédia de um terramoto. O texto cita a favela de Cite Soleil onde uma mãe oferece um a um os cinco filhos esqueléticos e famintos aos desconhecidos na esperança de que os levem e alimentem.Talvez já não precisem da piedade de ninguém,talvez a morte os tenha levado ontem. 80% dos Haitianos são católicos,16% são protestantes. Muitos deles praticam, sem conflito com as suas crenças, ritos antigos de voodoo. O Papa apelou hoje à generosidade para com os irmãos e irmãs do Haiti,os desalojados,os desaparecidos, os que tudo perderam e que se encontram em estado de necessidade. Na realidade os Haitianos já tinham muito pouco, tão pouco que custa acreditar que nem isso lhes reste agora.


Alguns slides onde haitianos procuram comida numa lixeira (2008)


Frase do dia:

"Parliament has collapsed. The tax office has collapsed. Schools have collapsed. Hospitals have collapsed.''

Rene Preval,Presidente do Haiti

Comentários

gostaria de por o seu blog, como blog a seguir pelos outros mas nao consigo
Incrível, mas verdadeiro não é?