Manoel de Oliveira completou 100 anos de vida e filmes


Manoel de Oliveira completou 100 anos há uns dias e no dia do seu aniversário parece que filmou, ou seja, fez aquilo que lhe dá mais prazer fazer na vida. O que eu invejo ao Manoel de Oliveira nem sequer é a longevidade saudável; o que eu invejo é que ele possa passar o dia do seu aniversário a trabalhar naquilo que mais gosta de fazer. Quando uma pessoa pode dar-se ao luxo de fazer isso só pode mesmo é ser feliz. E ante tamanha felicidade diária a morte é capaz de se ter compadecido e a cada ano decide adiar o momento de lhe cobrar a vida. E por isso os 100 anos. Donde se todos nós trabalhássemos com tamanha paixão quem sabe não viveríamos mais também. Infelizmente muitos de nós nem trabalho a gosto nem trabalho a desgosto, ponto final. E por isso é quase chocante que alguém tenha possibilidade de fazer arte em Portugal, e, ainda por cima, prazer nisso a ponto de se gabar da façanha publicamente. Como é que pode alguém trabalhar nesta área em Portugal? Não configurará isso um abuso laboral em tempos de crise? Não deveríamos acabar com a arte, esse luxo dos espíritos, e canalizar recursos só para o que é de primeira necessidade? O mais curioso é que o cinema de Manoel de Oliveira até parece ser de prima necessidade- mas apenas para ele,- e,sim, um luxo intelectual, mas apenas para certos iluminados da cinefilia. É assim que a maioria analisa e vê -ou não vê e apenas comenta - as fitas do cineasta mais longevo do globo.

Ainda ninguém se lembrou de fazer um site com apostas sobre a data da sua partida do mundo terreno como parece já ter acontecido no caso da Amy Winehouse. Ele não é tão famoso como ela mas, como ela, provoca reações díspares ora de puro louvor ora de puro enfado. Cinéfila, eu, dei por mim a fazer um grande esforço para ver Cristovão Colombo,o Enigma de fio a pavio no dia do seu aniversário. São apenas 70 minutos e o próprio entra no filme com a sua mulher Isabel. Roteiro histórico e monumental que enaltece o Portugal dos Descobridores e puxa as orelhas ao desleixo para com o que resta desse testemunho, passou à noite na TV seguido de um bom documentário sobre a sua obra.

Vi outros filmes dele com mais agrado. Não venerando o cineasta nem o cinema que ele produziu tanto como o de outros que,tal como ele, nos deixam uma visão particular do mundo gravada em celulóide, nem inversamente o ignorando ou desprezando, compreendo o seu afã criativo e, tal como escreveu Lauro António, reconheço-lhe e admiro-lhe uma certa coerência na forma como vive e vive a sua arte que vejo faltar a alguns realizadores que por isso andam de fórmula em fórmula, mais ou menos copiada, à procura da sua identidade criativa, sem êxito. Encontrar e dar corpo a essa identidade é talvez o mais difícil em qualquer arte uma vez que vivemos, desde há muito, a época áurea da collage ou do copy/paste: ser original e ao mesmo tempo eficaz e manter-se fiel a essa verdade já quase se tornou impossível.Mas eu preciso de um realizador que me tente surpreender e aceito que até falhe o intento no meio dos 50 e tal realizadores escorreitos que fazem tudo segundo as regras e que muitas vezes me enfadam tanto como este Colombo. O artista andrajoso que morre faminto, sacrificando-se em nome da sua visão, saiu de moda. Ele preocupa-se em ganhar dinheiro, em sobreviver, ou então, outros se preocupam em ganhar dinheiro com ele, e por isso ele faz ou obrigam-no a fazer concessões à sua criatividade. Desta realidade resulta que a expressão criativa é cada vez mais uniforme porque uma vez abafada a exuberância e a pulsão espontânea de quem cria sem ter de agradar senão a si mesmo, à sua ideia original,à sua visão, liberto de quaisquer constrangimentos, o que acontece é cada vez mais assistimos a uma repetição mais ou menos transvestida desta ou daquela ideia. Cada vez menos somos surpreendidos. E eu quero e preciso de surpresa, ambiguidade, perplexidade, interrogações, sentidos inexplicados...

Poderão muitos dizer que a arte vive e ganha força na reacção do público seu destinatário e que se este a ignorar (mais do que se a rejeitar) ela não vive, não se justifica.Todavia a minha opinião é a de que devemos aos artistas o favor de nos testarem nos nossos limites, entendimento e sensibilidade, e por isso eu aprovo que se facilite a criação de autor e não apenas a comercial. Impossível é agradar a gregos e troianos. Certo é que o caminho da arte, o da descoberta, não podem ser o do gosto da maioria ou o da maior receita de bilheteira. Manoel de Oliveira é Manoel de Oliveira por muitas razões e uma delas porque o nosso país tem uma capacidade de produção cinematográfica reduzida. Parece quase inexplicavelmente mágico que consiga retirar da cartola do Estado, concurso após concurso, sempre mais um subsídio para dar continuidade ao seu labor de filmar afinal tão artesanal e às avessas das regras reconhecidas...e a consegui-lo talvez porque nunca teve competição à altura dentro da sua linha mais "artística",bom, havia César Monteiro, há que lembrá-lo, mas esse era o maior outsider...

Comentários

Capitão Merda disse…
Sobre o Manoel de Oliveira não posso pronunciar-me.
No único filme dele que tentei visionar, adormeci pouco depois do início...