O meu pipi. Escrever sobre sexo a ver se levanto o tráfego deste blogue


Já não é novidade para ninguém que alguns blogues se transformam em livro. Também gostaria que assim sucedesse ao meu, não este, o outro. Não na íntegra, nem tão pouco mais ou menos. Mas que saísse um bocadinho dele desta zona imaterial e inodora da blogosfera para o perecível e reciclável território palpável do papel e do cheiro da tinta. Um caso de que me lembro foi O meu Pipi, talvez em 2004. Um dia fui ao hipermercado e lá estava o anúncio: 2ª edição! 15.000 rotos tinham comprado O meu Pipi. Ou seja, 15.000 pessoas, mais ou menos jovens, mais ou menos cultas, seja lá o que isso signifique, homens e mulheres, abriram os cordões à bolsa, instalaram-se de rabiosques feitos num qualquer sofá mais ou menos coçado, cama mais ou menos lavada, sanita mais ou menos desinfectada, às claras ou no umbigo da noite, a ler o célebre livro do círculo vermelho desaconselhável a menores de 18 anos. Uns terão rido à desgarrada, outros batido punhetas a páginas tantas. Outros viram o filme passar ante as suas pupilas dilatadas, outros, terão cogitado na matéria e interrogado a sua capacidade de performance sexual, outros terão ficado deslumbrados com a veia literária do autor, outros nem tanto. Outros ainda ter-se-ão questionado se aquilo era literatura de facto, ou apenas “de (pau) direito”, se era cultura, se era apenas uma coisa que tornava a coisa dura, se era pornografia de requinte ou se tinha requintes de pornografia, ou se não passava de alinhavo de palavras bem entremeadas de vírgulas e pontos finais, as quais, no sítio certo, ajudam muito a um texto. O sr. Pipi era um campeão de audiências e tinha escolhido o tema mais popular a seguir ao futebol: o sexo. (Ou antes?!!) Eu andava demasiado atarefada na minha labuta diária e já só dei com o produto do desenvolto escriba na prateleira do hipermercado, embora soubesse, por artigos de jornal e zunzuns de amigos que um certo blogue tinha sido transposto para o papel, e ainda por cima, ah!, sido reservado o anonimato do artista ou do artolas, ou do escritor ou candidato, ou novel personagem do nosso maltratado mundo livresco, onde não há coincidências. Eu nessa altura ainda não tinha poisado os olhos nas linhas do sr. Pipi, era uma virgem no assunto. 

O sr. Pipi foi em 2003 a prova de que se pode saltar do ciberespaço ou da blogosfera, para o hiperespaço, entenda-se espaço do hipermercado – o Neo do Matrix que se cuidasse, o sr. Pipi era o “escolhido”, pelo menos de 15.000 pessoas. Bem, eu já me contentaria com um terço disso mas a desejar escrever e ilustrar para as criancinhas não devo poder aspirar a esse sucesso. Embora não falte quem desentranhe pulsões de conotação sexual escondidas nas saias da avozinha que foi comida pelo lobo mau ou da Alice que seguiu o coelho até à toca, eu tenho a certeza que nos meus ingénuos escritos nem mesmo Freud seria capaz de encontrar alguém com complexos de Édipo. 

Como qualquer mortal que se preze também eu peguei num desses livros onde um dia uma certa senhora farejou dinheirinho fácil nas entrelinhas e decidiu editar. Foi ela a artista, o verdadeiro fenómeno, um exemplo de moderno empreendorismo feminino e perspicácia, mais ou menos óbvia, mas de perspicácia para a oportunidade do belo do negócio. Eu tinha acabado de ler Catherine Millet, uma mulher do universo das artes francesas, dos artistas e da escrita. Creio que o livro saíu em 2001 e tinha gostado bastante. Mas não se podia comparar: O meu Pipi era apenas um daqueles embrulhos que fazem carreiritas meteóricas carregados à mistura com cebolas, margarinas e cremes para a barba nos sacos dos Continentes, Jumbos e outros que tais, e que se desembrulham como fogo de artifício, com alarido e estrondo, mas que acabam depressa. Suponho que também tenha estado nas livrarias, afinal sempre é um livro. Hoje já ninguém se lembra dessa personagem nem do seu blogue onde alardeava façanhas sexuais em jeito de farelório nem do seu texto de escriba anónimo para ler no umbigo da noite e esquecer pela manhã. Lembro-me eu porque fico roída de inveja dos 15.000 leitores, mais isso do que ficar roída pela facúndia criativa do autor. (Suspiro sem qualquer conotação erótica.) Só quem não conheça a literatura erótica, de cunho mais popular ou mais erudito, é que poderá ter encontrado em O meu Pipi algum motivo de satisfação literária, embora não se possa negar que  o autor  é um machista  culto, culto e que domina a arte de bem escrever em toda a sala.

Comentários

Quarenta disse…
Belinha:
Embora decerto esteja a ironizar, ainda assim lhe peço que não se peocupe com o tráfego, por favor.
Não desperdice a sua veia literária (que é irrepreensível) em busca de audiência.
Está excelente, este "post". Na forma e no conteúdo.
Continue sempre assim, afastada da vulgaridade...
Cumprimentos
zé lérias (?) disse…
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
zé lérias (?) disse…
Pois é!
As bichas
(não, não sou homofóbico, refiro-me mesmo a bichas, aquelas/aqueles que nos subtraem os alimentos e não nos deixam engordar e que são tão agarradas/os que nem deixam quase nada para fazer funcionar, à vontade, o terminal do nosso intestino grosso)
e outros indivíduos, tomaram conta de tudo o que é vias de comunicação...social, privada.
Por isso são falados, os oportunistas, e aproveitam a circunstância para fazer "coisas" , com edições várias.
O meu receio é que esses respeitáveis indivíduos (incluindo a ténia, já agora!) venham a ocupar o mesmo espaço na Blogolândia, o que, a suceder, nos causariam alguns pequenos problemas de trânsito... e nos deixariam sem fraca clientela.
É que desses indivíduos saem sempre obras primas capazes de apaixonar os intelectuais do cordel. Desses que gramam com a publicidade toda em cima e não sabem o que é fazer zappyng... porque aí se aprende muito de modas, cremes, liftings, comida light and so on...
Mas ainda bem que se confinam a esses lupanares, incluindo alguns blogues, porque assim nos vamos acautelando, olhando-os de longe, para não nos contaminarem o raciocínio.
Deixemo-los andar por aí, sempre à procura de protagonismo.Sempre à procura de muitos leitores e comentadores.

Mas, cá para mim, nem só de comentários e visitas vivem os bons blogues.
Basta uma visita atenta, mesmo sem comentário, a qualquer dos seus url, para provar que nem tudo está perdido.
Faço votos para que deles extraia matéria para editar mais um bom livro, bem diferente de "o meu pipi".
saudações.
Abssinto disse…
MAS TAMBÉM É MUITO INTERESSANTE O TEU BLOG. E O OUTRO. ÉS IMAGINATIVA:)

BJS
Unknown disse…
Belinhha mas nao eh verdade que o Pipi era o Ricardo Araujo Pereira? por isso como se pode dizer meteorico...
Unknown disse…
Belinha mas nao eh verdade que o Pipi era o Ricardo Araujo Pereira? Meteorico?
Petergaetano: até podia ser Luis de Camões, mas a obra O meu Pipi subiu ao céu com estrondo, iluminou tudo...e apagou-se. E isto que digo é válido com ou sem Gato Fedorento.
Jorge Ortolá disse…
Quando menos esperares, está nas bancas.
beijo