O meu escritório é o meu covil
Hoje o meu cérebro está particularmente lento, talvez porque tenha voltado a chuva miúda e quando há água a tombar do céu os meus mecanismos como que enferrujam. E que falta me faz o Fernando para me explicar! Acho que não o vejo desde Dezembro de 2004. “Se quiseres vir dar-me um beijinho rápido ao Jumbo...despacha-te!” Foi com esta mensagem que se anunciou o meu amigo biólogo. “Ok, vou-te pegar a minha constipação.”- respondi. Enfiei o casaco, peguei nas chaves e corri para o Jumbo. O Fernando estava no quiosque do café, o que achei estranho pois ele não costuma bebê-lo, e quando cheguei mais próximo pedia uma fatia de salame de chocolate. Mas podiam ser novos hábitos adquiridos no estrangeiro. – I was expecting a more kind of english gentleman, - exclamei ao chegar próximo. Ele colocou o boné e perguntou: - E que tal assim? Eu ri. – Ainda falas português ou nem por isso? De boné ele continuava a parecer mais um português alentejano que não era do que um inglês que também não era, exceptuando na sua actual residência. Estava com uma enorme dor de cabeça e daí o café, pensava ele que estava a chocar alguma. – Lá, um café custa uma libra e meia - disse. Fomos para uma mesa amarelo-pálido. A conversa relâmpago ia terminar em breve pois o plano dele era regressar ao Sul, jantar com a família um jantar de despedida e ir ainda mais para sul, até Faro, apanhar o avião para Leeds, pelo que cada minuto era controlado pelo relógio. E num instante o encontro relâmpago encontrou o seu fim, não sem antes se falar da Austrália e de Espanha, do que se ganha quando se tem a coragem de seguir um novo rumo, de crocodilos e tubarões brancos, de teatro, do meu carro e do meu carro, de templates, de desenhos, de projectos, de amigos comuns que estão por perto, do frio português e inglês, do calor inglês, da crise, de prendas de Natal, de cartões de Natal que começam por “Monstro”...Que bom ouvi-lo, vê-lo assim, sorridente, tranquilo, satisfeito. Fiquei feliz quando partiu, esqueci-me até de que ia perder a única pessoa que me acompanhava nas minhas idas ao cinema para ver longas metragens de animação e que gostava disso tanto quanto eu! O que não se ganha num encontro relâmpago, segundos de uma luz intensa e breve, mas capaz de iluminar a vasta escuridão da memória e da distância. Ó Fernandooooooooooooo, qual a diferença entre toca e covil?!!
Comentários