NORTE- CD de Jorge Palma sai em 2006




(Escrito a 6 de Outubro de 2004, recuperado de blog extinto)


“Obrigado por adquirir este CD e apoiar os artistas, autores, compositores, músicos e outros profissionais que o criaram e tornaram possível.”

Tenho o “Norte” sobre a mesa, é o último trabalho do Jorge Palma. Estou a guardar a audição para um pós jantar enrolado na manta do sofá, salpicado a chuva na vidraça. Que grande festa um CD de originais do Jorge Palma! Por enquanto estou na leitura de todas as palavras do booklet, ainda separadas da música, mas já de si (e como sempre) tão ricas em sonoridades e imagens. Em vez da pressa de ouvir vou tacteando o possível, imaginando, antecipando a imersão num universo que vem de longe e que ao longo dos anos me tem acompanhado como se de um templo se tratasse. A semana passada fui surpreendida pelo meu sobrinho de dois anos a cantar “mamã, mamã/onde estás tu mamã”. O Jorge Palma ia dar uma entrevista promocional na radio, saí para o trabalho sem a poder ouvir mas o ouvido atento do meu sobrinho não deixou escapar o essencial. No meu regresso tinha muito que cantar. Imagino-me daqui a uns anos a ver um concerto do Jorge Palma, eu a dizer-lhe que ele cantava esta canção muito antes de aprender o “Atirei o pau ao gato...” quando ela surgisse no encore! A última vez que vi um concerto do Jorge Palma foi em 1998. Três horas de espectáculo no Teatro Gil Vicente, em Coimbra. Afinanços e acertos de última hora, alinhamentos desalinhados, palavra e som ao sabor do momento e um copo de cerveja sobre o piano. Público devoto, público acintoso, velhos fãs, estreantes no culto do talentoso marginal. Seis anos depois e até alguns discos depois, a idade atravessada na face do artista como o rasto de um arado nas terras, ei-lo de cigarro abandonado na mão, fitando-nos, num preto-e-branco fotográfico:”ainda vou ser ilusionista crónico/um mestre da fuga, um mago supersónico”. Tenho a certeza que ele vai sempre ser aquilo que quiser e nunca aquilo que os outros queiram que ele seja. E é por isso também que gostamos tanto dele.


Volto as costas ao vazio
procuro o vento frio
o caruncho pode desfrutar
do meu velho sofá
deixo as manchas de café
o candeeiro de pé
vou em busca do meu Norte

Levo imagens que sonhei
tesouros que roubei
a famosa gabardine azul
tem mais alguns rasgões
levo as horas que perdi
o espelho a quem menti
sigo em direcção ao Norte

Quantos pontos cardeais
ficarão no cais da solidão?
Quantos barcos irão naufragar,
quantos irão encalhar na pequenez
da tripulação?

Deixo os dias sempre iguais
os mundos virtuais
deixo a civilização que herdei
colher o que plantou
abandono o carrossel
a Torre de Babel
deitei fora o passaporte

Confio às constelações
as minhas convicções
quebro o gelo que se atravessar
no rumo que eu escolhi
o astrolábio que há em mim
vai respirar enfim
hei-de alcançar o meu Norte

Comentários

Quarenta disse…
Fico contente por gostares do Palma.
Tens bom gosto...