Como escolher um presente de Natal : o solitário de ensaio!

O hipermercado já tem os enfeites de Natal e as bancas para embrulhar os presentes preparadas. O que me fez pensar no critério que cada um de nós usa para escolher uma prenda e oferecê-la aos outros. Partimos de nós para o outro ou do outro para nós? Queremos que o outro se agrade do nosso gosto ou queremos fazê-lo agradado do seu próprio? Satisfazemos o nosso capricho ou caprichamos para encontrar um objecto que o outro deseja expressamente ou que supomos lhe possa cair bem na sua carteira de gostos? Será melhor arriscar a surpresa ou antes apostar na previsibilidade da escolha?

Uma vez recebi de uma amiga de infância, das poucas que ainda mantenho, e por quem tenho particular estima, um objecto que me garantiu comprado numa loja conceituada em design, no Porto. Desembrulhei o paralelepípedo cuidadosamente, depois abri meticulosamente a caixa de cartão e depois o resto, dois objectos envoltos em papel de seda. Surgiu um pequeno cubo platinado, com um buraco no centro. À parte vinha um tubo de vidro, um tubo de ensaio sem tirar nem pôr, que devia encaixar no referido buraco. Eu tomei em mãos as duas peças com espanto e fiz com que cumprissem a sua função, tremulamente, não fosse quebrar o frágil tubinho de vidro. Não sabia o que articular! A minha amiga dizia-me que aquilo era puro design e que o tinha achado o coiso e tal muito interessante. Ora aquele coiso e tal não me dizia nada. Mas a minha amiga dizia-me que aquilo era um solitário. A mim parecia-me um objecto de laboratório. Era-me mais fácil imaginá-lo cheio de sangue ou urina ou soluções de ph vários, numa banca asséptica do que sobre qualquer móvel caseiro, repleto de água para matar a sede a qualquer flor! E que flor?! Aquilo não media mais do que 15 cm! Que flor?! Não sendo mestre em ilusão e disfarce, a minha amiga ter-se-á apercebido facilmente do meu estado, da minha perplexidade perante o recebido. 

Nunca percebi que caminho trilhou a sua ideia para me comprar aquela peça até porque me conhecia bem e, pensava eu, ter-lhe-ia sido fácil escolher algo que caísse que nem ginjas no meu agrado. E isso deixava-me tão perplexa quanto o objecto em si. Mas ao contrário de algumas ofertas que recebi e que adorei, mas que guardei por falta de espaço nas minhas estantes, aquela encontrou lá um lugar cativo desde o primeiro minuto. Por lá ficou junto a uma moldura, também platinada, que contém uma foto minha a preto e branco. E de cada vez que espanava o pó pela estante fora limpava cuidadosamente as duas pecinhas, espantando-me sempre da escolha feita pela minha amiga, e dela me lembrando e daquele momento de completa dúvida e encabulamento. Continuava, semana após semana, interrogando-me o que fazer, e por fim, mais uma mirada, menos uma mirada, voltava a repô-las no seu lugar. A dado momento a minha cabeça deixou de me interrogar sobre o que fazer com aquilo. Aceitou, indiferente. Era pegar, limpar, recolocar. Mas passou aquilo a interrogar-me sobre que destino era o seu na minha prateleira, perto dos meus livros de banda desenhada e biografias de pintores e da minha foto a preto e branco. Pois um dia agi. Um dia em que o ócio me favoreceu. Peguei num alicate e em algum arame e construí uma flor de arame e pérolas platinadas. O tubo de ensaio transformou-se, aos meus olhos, finalmente, no oferecido solitário. Com pena minha, o seu reinado como tal foi breve. Um dia, no meio da já habitual confusão de livros, pincéis, CD, dossiers, e bricabraque, um mau jeito, um jeito ao lado ou ao centro, uma contramão e o solitário despedaçou-se contra o soalho. Nessa semana quebrei pelo menos três objectos, lembro-me de pensar que tinha mesmo as mãos rotas, desajeitadona, m… claro, as interjeições não faltaram. De todos os objectos perdidos aquele que mais lamentei foi o “solitário de ensaio.” Guardei religiosamente o cubo e a flor. Adiado tem ficado o momento de encontrar um novo tubo de ensaio. Talvez da próxima vez que for tirar sangue pergunte se me podem dispensar um.

Comentários

dodo disse…
Well, you managed to make something that was really "yours" out of that cold, strange thing you received- this is nice. A pity the tube broke, though.
I like to give presents to family and friends just like that, not on special occasions! When i browse in a bookstore or elsewhere and see something that someone i know might like it, i just go and buy it and give it to him/her the next time we meet!
Then, on Christmas or birthdays etc, i just black out- nothing seems to be interesting enough! Not very smart, i guess...